domingo, 24 de julho de 2016

VIDA E OBRA DA PROFESSORA MARTA BEZERRA DE MEDEIROS PUBLICAÇOES E PESQUISAS SOBRE A PROFESSORA MARTA BEZERRA DE MEDEIROS

 file:///D:/Usu%C3%A1rios/Cliente/Downloads/8640205-10763-1-PB%20(1).pdfRevista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 280 PROFESSORA MARTA BEZERRA DE MEDEIROS: A PROFISSÃO DOCENTE NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX (RIO GRANDE DO NORTE, 1915-1954) Maria Elizete Guimarães Carvalho Universidade Federal da Paraíba - UFPB RESUMO Este artigo tem por propósito refletir sobre a história de vida da Professora Marta Bezerra de Medeiros, a partir dos resultados do Projeto de Iniciação Científica Professora Marta Bezerra de Medeiros: a profissão docente na primeira metade do século XX (1915 – 1954), desenvolvido no período de agosto/2011 a julho/2012, na Universidade Federal da Paraíba. A história de vida professoral apresenta conhecimentos sobre o exercício da profissão docente na primeira metade do século XX, esclarecendo questões que marcam a crise professoral atualmente, possibilitando a compreensão das relações educacionais, sociais e políticas desenvolvidas nesse período histórico. Metodologicamente, trabalhou-se com os procedimentos da história oral articulados ao diálogo com fontes escritas e iconográficas, inserindo, nesse contexto investigativo, a pesquisa biográfica, alicerçando o trabalho com os estudos de Passegi (2010), Delory-Momberger (2008), Esteve (1999), Nóvoa (1999), entre outros. A configuração do ser professora não ocorre de forma isolada de suas condições históricas. Nesse sentido, o trabalho da Professora Marta foi modelado pelas condições históricas de seu tempo, mas por outro lado ressignificou a prática professoral da sociedade ainda patriarcal e conservadora das primeiras décadas da República. Palavras-chave: História de vida professoral. Profissão docente. Contexto histórico republicano. Prática professoral. TEACHER MARTA BEZERRA DE MEDEIROS: THE TEACHING PROFESSION IN THE XX CENTURY FIRST HALF (RIO GRANDE DO NORTE, 1915 - 1954) ABSTRACT This article purposes to reflect about de life history of Teacher Marta Bezerra de Medeiros, according de results of the Scientific Initiation Project named Professora Marta Bezerra de Medeiros: a profissão docente na primeira metade do século XX (1915 – 1954), developed at August/2011 to July/2012, in Universidade Federal da Paraíba. The teach life history presents information about the exercise of the teach profession in the XX century first half, explaining questions that mark the teach crisis, actually, allowing the comprehension of the educational, social and politic relations developed in that historic period. Methodologically, worked with the oral history proceedings articulated to the dialog with written and iconographic roots, inserting, in this investigative context, the bibliographic research basing the work in Passegi (2010), Delory-Momberger (2008), Esteve (1999), Nóvoa (1999) and others authors studies. The configuration of being teacher does not happen isolated of the historic conditions. In this way, the Teacher Marta’s work was done by the historic conditions of her time, but took a new mean to the teacher practice of the patriarchal and conservative society of the Republic first decades. Keywords: Teach life history, Teacher profession, Historic context of Republic, Teach practice Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 281 Introdução Os estudos sobre as histórias de vida professorais têm revelado que é possível conhecer a prática e a história da docência, o contexto social e histórico em que o percurso de vida se desenvolveu, a partir de abordagens biográficas e / ou (auto) biográficas, que colocam em conexão a vida pessoal e profissional, a vida e a história, fazendo “reaparecer os sujeitos face às estruturas e aos sistemas, a qualidade face à quantidade, a vivência face ao instituído” (NÓVOA, 1995a, p. 18). Nessa perspectiva, situam-se propostas investigativas de histórias de vida professorais, como tentativas de compreender o exercício da docência, as questões que permearam/permeiam a profissão, os papéis atribuídos ao professor, a formação de sua identidade, o espaço ocupado pelo docente ao longo da história, como também para compreender a crise que tem caracterizado a profissão professor nos dias atuais. De acordo com Nóvoa (1999), a desvalorização da profissão docente é um fato registrado faz muito tempo. A docência vem sendo constantemente descaracterizada tanto pelos baixos salários, como pelo excesso de papéis atribuídos ao professor, gerando uma situação de mal-estar na profissão, resultando em desmotivação pessoal, abandono, insatisfação, indisposição, desinvestimento na profissão e ausência de reflexão crítica (NOVOA, 1999). Em face de tais evidências, que revelam a depreciação e autodepreciação da docência, constitui-se preocupação o exercício da profissão professor no contexto atual, preocupação relacionada à prática cotidiana, a depoimentos escutados em sala de aula, a testemunhos gravados em investigações científicas, como também, a estudos realizados sobre a profissão (NÓVOA, 1999), (VEIGA; ARAÚJO; KAPUZINIAK, 2005), a vida (NÓVOA, 1995b) e a prática da docência (TARDIF; LESSARD, 2005). Nesse cenário teórico e prático, quase todas as evidências apontam para a depreciação da profissão ou para propostas de reconstrução, o que revela a crise porque passa a profissão docente, apesar das sociedades atuais reconhecerem a necessidade de investimento na educação. Nunes (2007, p. 22) explica a crise que marca a profissão docente atualmente: [...] A referida crise ganha destaque em decorrência de questionamentos que apontam as funções disciplinadora, controladora e ideológica, que regulam tal profissão ao visar garantir o profissionalismo técnicoinstrumental no sentido de atender à nova ordem social pautada por um projeto neoliberal, em detrimento de um profissionalismo assentado em uma conduta ético-reflexiva. Tal configuração do profissionalismo docente cria um desconforto na profissão, revelado em forma de crise que se projeta nos âmbitos profissional e social. Ora, a profissão docente não se tem constituído um atrativo para os jovens que buscam os cursos superiores. Esse fato, além das razões apontadas, tem uma explicação: existe um grande paradoxo caracterizando a profissão professoral atualmente, pois, se por um lado glorifica-se a sociedade do conhecimento, por outro, o tratamento dispensado aos professores revela o desprestígio da profissão. Na explicação de tal ambiguidade, Nóvoa (2010, p. 12) aponta o excesso de valorização da escola: “tudo se resolve dentro das escolas” e a diminuição da profissão professor: “qualquer coisa serve para ser professor”. Outro fator que também precisa ser considerado nessa reflexão diz respeito à demanda pelos cursos de formação de professores. Depoimentos revelam que a procura é justificada pela maior facilidade na entrada e também pela crença de que se trata de cursos fáceis1 . Grande parte da sociedade continua valorizando os cursos que formam engenheiros, Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 282 advogados, médicos, entre outros. Esses fatos geram insegurança e descrença na profissão docente. Incomodada com essa problemática, tentando compreendê-la e explicá-la, buscou-se na história da docência, a partir de trajetórias de vida professorais, explicações para o fenômeno dessa desvalorização, cruzando momentos de vida pessoal com momentos de vida profissional, acreditando que é possível compreender a maneira de ser na maneira de ensinar e a maneira de ensinar no modo de ser, o que revela ser “impossível separar o eu profissional do eu pessoal” (NÓVOA, 1995a, p. 17). Nesse sentido, o conhecimento da profissão docente ocorreria a partir da compreensão de vivências pessoais e profissionais, da reflexão sobre trajetórias professorais em conexão com o contexto histórico. Em face dessas considerações, objetiva-se nesse artigo refletir sobre a história de vida da Professora Marta Bezerra de Madeiros2 , em seus aspectos pessoal e profissional, tomando como período de análise a primeira metade do século XX, não como barreira ou limite à investigação histórica, mas como parâmetro definidor do recorte temporal, tendo em vista que o estudo de uma história de vida deve considerar a articulação entre presente, passado e futuro, entre o tempo e o espaço vivido. Histórias de vida professoral A opção pela história de vida professoral para compreensão da profissão docente em determinado momento histórico orienta para a investigação interna e externa da profissão, para a configuração da ação pedagógica do professor, sua postura no exercício professoral, como também as relações profissionais, sociais e políticas desenvolvidas ao longo de sua vida. Da compreensão dessas relações e das trajetórias percorridas resultaram explicações sobre o significado da docência e da crise que perpassa a profissão atualmente. Nesse sentido, o estudo do passado da profissão docente constitui-se uma alternativa de explicação para questões manifestas no presente, demonstrando ser imprescindível o intercâmbio de experiências, a interpretação de relações, representações, fatos e acontecimentos a partir de fontes documentais e da memória individual e/ou social. Nessa configuração, a biografia como instrumento de pesquisa histórica transforma a vida íntima ou profissional em matéria histórica, permitindo a compreensão de uma época e a configuração da superfície social em que age o indivíduo. As práticas sociais e as representações da docência configuradas na vida pessoal e profissional da Professora Marta Bezerra de Medeiros forneceram subsídios para a compreensão da profissão professor na sociedade brasileira da primeira metade do século XX, contribuindo para o esclarecimento do mal-estar docente nos dias atuais. A investigação de trajetórias de vida professorais significa também investigar a articulação entre presente e passado, considerando que as pessoas não nascem professoras, elas se constituem docentes, por processos de formação e autoformação, imbricados em um tempo e espaço. Nessa compreensão, as questões que envolvem o ser professor atualmente estariam relacionadas com o passado da profissão. [...] pesquisar sobre professores e suas trajetórias é, em qualquer tempo, trabalhar com um contexto muito anterior à prática em si, ao dia a dia, a vida funcional. É levar em conta o período de formação, de ‘formar para a ação’, e o período ainda anterior a este, a história de vida de cada um dos sujeitos, o que os trouxe, em última instância, a preparação para o exercício do magistério (ESQUISANI; WERLE, 2010, p. 106). Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 283 Os estudos realizados sobre a história de vida de professores apontam trajetórias educacionais desconhecidas e inusitadas, abordagens que permitem o conhecimento de vidas desaparecidas, de mudanças e rupturas, evidenciando as vantagens e as limitações da utilização desse recurso historiográfico para o conhecimento e análise dos problemas educacionais que marcaram/marcam determinado período histórico. São investigações que estabelecem conexões e coerências entre acontecimentos pessoais, profissionais e políticosociais, orientando a interpretação de problemas educacionais contemporâneos. Essa abordagem histórica revela que é o entrelaçamento da vida de uma pessoa com sua época e com seu contexto que constitui suas experiências. Na verdade, compreendendo a história de vida de uma pessoa estaria compreendendo seu próprio tempo, já que essa articulação traria explicações sobre acontecimentos pessoais, profissionais e político-sociais. Por outro lado, o trabalho com histórias de vida abre espaço para a exploração de novas perspectivas do passado, proporcionadas por outras fontes documentais, como correspondências, diários, poemas, colocando em evidência o paradigma da história vista de baixo, de pesquisar vidas e histórias de pessoas frequentemente ignoradas ou que aparentemente não ocuparam um lugar especial na história. Um trabalho que pretende investigar a profissão professoral a partir de trajetórias de vida e de recortes biográficos procura desenvolver uma reflexão sobre a vida do professor, seus anseios, suas lutas pela sobrevivência e pelo desempenho da profissão docente. As histórias de vida professorais revelam questões que permeiam a profissão em determinado momento e contexto histórico, possibilitando a compreensão das dificuldades, condições, jeito de ser e agir docentes. Na sociedade atual, as modificações ocorridas influenciam a vida pessoal e profissional dos professores, criando-se desafios ao exercício da profissão, pela própria indefinição dos papéis que são chamados a desempenhar. Nóvoa (2010, p.12) aponta alguns fatores que fragilizam a profissão professor nesse contexto, como é o caso do “excesso das missões da escola, o excesso de pedidos que a sociedade nos faz e, ao mesmo tempo, uma cada vez maior fragilidade do estatuto docente”; a “retórica do professor reflexivo e, ao mesmo tempo, a inexistência de condições de trabalho concretas [...] e desenvolvimento profissional [...]” (p.13). “Os professores têm perdido prestígio, a profissão docente é mais frágil do que era há alguns anos”. As modificações sociais implicam novas configurações para o profissional professor, que se sente perdido frente ao novo cenário educacional, acarretando o desgaste de sua imagem. O “professor encontra-se numa encruzilhada: mudar, melhorar, produzir uma nova referência de profissionalidade” (FARIAS, 2007, p. 75). A reflexão sobre o desgaste operado na profissão docente aponta para o estudo de histórias de vida professorais, como tentativa de compreender a profissão professor, sua história, representações. Porque o indivíduo representa sua história, expressa sua existência em narrativas, na relação consigo mesmo e com a coletividade, em diários, memórias, discursos, correspondências, currículos, autobiografias, figurando acontecimentos, ideias, relações, sentimentos, em um processo de biografização que vai além do processo “sóciohistoricamente inscrito, formal e estruturalmente determinado”, realizando-se também como “processo de socialização e construção da realidade social” (DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 26). As histórias de vida no campo educacional permitem compreender como os profissionais da educação constroem seus percursos existenciais, sua trajetória de formação e profissional, os saberes sobre a realidade e sobre si mesmos, em uma concepção da biografização como interação entre o indivíduo e a sociedade. Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 284 [...] No pólo educação-formação, ela [a abordagem biográfica] é representada, particularmente, pela corrente das histórias de vida, cujos dispositivos têm o intuito de esclarecer projetos pessoais e profissionais a partir da apropriação de uma ‘história pessoal’ (DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 26). Nesse sentido, a história pessoal de uma professora, representada pela biografia, contribui para compreensão da profissão docente em determinado momento histórico, fornecendo pistas para a problemática da profissão atualmente. Enquanto conjunto de representações que o indivíduo constroi da própria vida e de sua história, a biografia tornou-se um componente e um horizonte do campo educativo. A maneira como os indivíduos biografam suas experiências e, em primeiro lugar, a maneira como integram em suas construções biográficas o que fazem e o que são na família, na escola, na sua profissão e na formação continuada são parte integrante do processo de aprendizagem e de formação (DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 30). A Professora Marta Bezerra de Medeiros deixou na biografização de sua existência indícios e pistas investigativas sobre o fazer docente na primeira metade do século XX. As configurações da sociedade em que viveu estão presentes em seu trabalho professoral, em sua poesia romântica e em suas cartas. É como se ela se autofigurasse ou se autorevelasses nos fazeres do seu cotidiano. Seu autoretrato está configurado em documentos, imagens, diários, cadernos, livros de matrícula, cartas que revelam práticas sociais e educativas de um tempo histórico em transição. O estudo de suas representações revela os projetos de vida de uma mulher para estudar, assumir a profissão docente, agir e interagir no mundo do trabalho e na sociedade do conhecimento, lutando para ser dona de seu próprio destino, apesar de órfã e paraplégica, conflitando com o paradigma ainda estável e dominante na primeira metade do século XX, da mulher mãe e dona de casa. Nesse sentido, a apropriação da vida de uma pessoa é feita pela escrita de sua história, configurada em representações biográficas que assumem a forma de biografias, autobiografias, diários, correspondências, memórias, constituindo-se em importante documentação para a compreensão de uma época, de um grupo social, de uma história pessoal. O curso de uma vida se desenvolve em um espaço-tempo no qual nasce a história de vida, apropriada pelo seu figurante através da escrita histórica. As investigações que trabalham com histórias de vida no campo educacional privilegiam a pesquisa biográfica, valorizando os planos teórico e empírico, reunindo materiais e observações, analisando documentos e materiais que contribuem para a compreensão de processos biográficos e de biografização. As fontes (auto) biográficas, constituídas por diários, autobiografias, biografias, cartas, memoriais, entrevistas, narrativas, relatos, cadernos escolares, entre tantas outras,tornaram-se há mais de trinta anos,objetos de investigação dos mais pertinentes em educação. Elas têm permitido criar novos territórios de indagação sobre a aprendizagem nos mais diversos domínios e nas mais distintas modalidades (SOUZA; PASSEGI; ABRAHÃO, 2008, p. 11). Com fundamento nessa afirmação e para compreender a profissão docente, colocouse em análise os registros, as representações biográficas figuradas pela Professora Marta Bezerra de Medeiros na primeira metade do século XX. Sua história de vida foi analisada a Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 285 partir dos enfoques profissional, privado e político-social, propondo-se a análise de documentos pessoais, como correspondências, poemas, fotografias, diários, e profissionais, como livros de matrícula, diários de classe, anotações, cadernos, apostilas, entre outros, em articulação com o estudo bibliográfico do contexto histórico. Realizou-se a articulação entre a história de vida professoral e sua época, ultrapassando os limites da narrativa pela interpretação. Pesquisas com histórias de vida no campo educacional evidenciam a pessoa do professor ao ressaltar a relevância da subjetividade como um dos conceitos articuladores dos questionamentos teóricos vigentes e das propostas que realimentam o estudo do método. [...] Com a centralização dos estudos e práticas de formação na pessoa do professor, busca-se abordar a constituição do trabalho docente, levando-se em conta os diferentes aspectos de sua história (pessoal, profissional e organizacional), a partir da tomada de consciência, do reconhecimento das fontes e dos dispositivos de construção/apropriação dos saberes da docência em articulação com o fazer cotidiano do/no trabalho pedagógico (GOMES; SOUZA, 2008, p. 127-128). A pesquisa biográfica é uma pesquisa qualitativa. O estudo da história de formação e profissional dos indivíduos implica em um trabalho de explicação e de análise, em que percursos são interpretados considerando a interface entre o social e o pessoal. [...] eles [os percursos] se inserem sempre em biografias que não são redutíveis ao mecanismo exclusivo de coerções sociais exteriores nem a uma instância puramente subjetiva e tiram, precisamente, a singularidade deles de um jogo único de inter-relações entre modelos sociais e experiências individuais, entre determinações sócio-históricas e história pessoal (SOUZA; PASSEGI; ABRAHÃO, 2008, p. 11). Com fundamento nessa explicação, a profissão docente foi discutida, considerando a articulação entre a história privada da Professora Marta Bezerra de Medeiros, realizada a partir do estudo de sua produção manuscrita cotidiana, da leitura desses documentos nas entrelinhas, e as determinações sócio-históricas, em um processo de interação entre a vida e a história, abrindo-se espaço também para o trabalho com fontes orais. No estudo da história de vida da Professora, sua trajetória foi concebida para além de uma existência individual, um caminho, uma linearidade, com um começo, um meio e um fim, como se fora um percurso orientado, numa ordem cronológica imutável, irreversível. Assim, foram estudados quadros de sua vida, muitas vezes descontínuos e contraditórios, mas unidos por elos invisíveis, repletos de significado, que estabelecem conexões e coerências entre acontecimentos pessoais, profissionais e político-sociais, permitindo a compreensão de uma época e a configuração da superfície social, em que age o indivíduo. Marta Bezerra de Medeiros e a profissão docente na primeira metade do século XX: formação ou vocação? Com o propósito de analisar a profissão docente, tomando a primeira metade do século XX como contexto de referência, refletiu-se sobre momentos da história de vida da Professora Marta Bezerra de Medeiros, definindo os papéis ocupados, assim como as práticas culturais desenvolvidas em sua existência, colocando em discussão fatores que Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 286 contribuíram para transformação, renovação e desvalorização da profissão professor atualmente. Nascida no início do século XX, na cidade de Jardim de Angicos /RN e exercido o magistério a partir de 1932, Marta Bezerra de Medeiros foi protagonista das lutas pela educação em seu Município, sendo nomeada professora municipal, numa época em que não existiam escolas municipais nessa região. Os acontecimentos que foram marcantes em sua vida estão representados em documentos biográficos, fotografias, adquirindo sentido a partir de processos de apropriação da realidade. As palavras de Carvalho (2009, p. 6) apontam a importância do trabalho da professora Marta Bezerra de Medeiros para sua época. A professora Marta Bezerra de Medeiros foi artífice do seu tempo. Tendo nascido mulher e se constituído professora na primeira metade do século XX, tanto reproduziu como reinterpretou/recriou as características e representações da mulher professora. Cabe então investigar as práticas culturais/sociais vivenciadas/desenvolvidas por Marta, ao lado das representações de sua prática docente em um contexto social local, em um momento em que se construíam novos saberes sobre a docência, tendo em vista a quebra de paradigmas sobre seu exercício. Um esboço de sua biografia contribuirá para compreender melhor quem era Marta Bezerra de Medeiros3 e situá-la em seu contexto histórico. Marta era filha do fazendeiro Manoel Bezerra da Cunha, proprietário da fazenda Nova Olinda e das terras da milhã dos Cunha, em Jardim de Angicos/RN, e Ana Hermina de Paiva Cunha (falecida após o nascimento de Marta) proveniente das famílias mais antigas da cidade. Pela decisão do pai em casar-se novamente, foi doada para adoção ao casal Manoel Lourenço e Maria Rosa Bandeira de Melo. Aos seis meses de vida, Marta foi acometida de poliomielite, que a deixou com sequelas no membro inferior esquerdo. Nascida em pleno início do século XX, recebeu influência na vida pessoal e profissional dos vários acontecimentos que marcaram o cenário sociopolítico e econômico em que viveu, presenciou e/ou participou durante sua formação. No período de 1915 a 1954, o país caracterizava-se por uma economia em transição, avançava para a industrialização, mas ainda se percebiam formas de produção colonial e agrária (NAGLE, 2001), principalmente no Nordeste, relações sociais de poder e ideias conservadoras, que implicavam na continuidade das relações econômicas. O processo de urbanização industrial fomentou o surgimento de grupos que lutavam pela construção de um novo país e o contato com a cultura trabalhista europeia e dos Estados Unidos despertou a necessidade de escolarização da população no intuito de preparar mão de obra qualificada para operar as máquinas. Resta lembrar que a educação do país caminhava a passos lentos, distante do desenvolvimento da sociedade, que já exigia para o processo de desenvolvimento do capitalismo uma mão de obra qualificada, ou pelo menos, pessoas alfabetizadas para operarem o trabalho nas fábricas. Segundo Carvalho (2009, p.8): O contexto histórico brasileiro da primeira metade do século XX é marcado por continuidades e transformações no plano político, econômico e social, que apontam para novos comportamentos, para o surgimento de conflitos internos, movimentos sociais, correntes de ideias, orientando para a conservação ou reformulação da ordem social. As ideias socialistas / anarquistas que já eram conhecidas e discutidas no Brasil nos primórdios da República Velha foram trazidas pelos estudantes brasileiros que voltavam da Europa e principalmente pelos novos imigrantes (que chegavam ao país com o objetivo de Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 287 construírem uma vida melhor). Nesse contexto, são criadas escolas baseadas na pedagogia das “escolas modernas” (que valorizavam a educação como ferramenta capaz de construir o cidadão ativo na sociedade), com ideias que contribuíram para a insatisfação e desejo de mudança durante esse período, cabendo à educação o papel de agente transformador ou pelo menos de agente esclarecedor da população de seus direitos e deveres. Com as ideias da escola renovada, a educação passou a ser compreendida como a ferramenta de ascensão social do indivíduo que vivia a margem da sociedade. Esse foi um dos fatores responsáveis pelas primeiras mudanças ocorridas no cenário educacional, pela veiculação de um ideário educacional que proclamava a importância da escola como via de reconstrução da sociedade brasileira, defendendo a necessidade de reorganização do ensino. Ghiraldelli (2006, p. 33) observa como era a pedagogia no período: A pedagogia ensinada até então, quase sem muita consciência, através da observação do comportamento do professor e repetida posteriormente pelos alunos ao se tornarem professores, era uma fusão da pedagogia formalizada pelo alemão Friedrich Herbart (1776-1841) com a pedagogia que vigorou no passado com a Companhia de Jesus, e que se mantinha forte até então (através dos princípios do Ratio Studiorum). Os princípios da escola tradicional começam a ser criticados, em função das transformações sociais e políticas que estavam acontecendo. Não havendo mais espaço para uma pedagogia influenciada por ideias religiosas e de tendência contemplativa, a pedagogia tradicional começou a sofrer rejeição, pois a burguesia buscava uma escola voltada para a realidade, que acompanhasse as transformações da sociedade em ascensão. Em 1920, os intelectuais do país se rendem as ideias inovadoras do filósofo norte americano John Dewey que traz para a educação brasileira as ideias do escolanovismo. O aluno é colocado no centro do processo de ensino e aprendizagem. As ideias veiculavam em alguns casos a liberdade e igualdade de direitos. Mas se de um lado os movimentos pregavam a ascensão da população à educação, ao trabalho, à participação, ao conhecimento da leitura e do cálculo, criando-se uma demanda por educação, por outro lado, as indústrias necessitavam de mão de obra qualificada e barata, necessidade surgida com o advento da industrialização, que exigia no mínimo a instrução da leitura e do cálculo para participação ativa no mercado de trabalho, o que de certa forma contribuiu para a escolarização da camada mais pobre da sociedade, que passou a ter direito ao acesso as escolas. É essa necessidade do capitalismo industrial de “fornecer conhecimentos a camadas cada vez mais numerosas, seja pelas exigências da própria produção, seja pelas necessidades de consumo que essa produção acarreta” (ROMANELLI, 1978, p. 59), que vai contribuir para a exigência da formação de recursos humanos, exercendo pressão no sistema educacional, sem, no entanto, apresentar uma proposta para mudanças profundas na estrutura educacional. Em face disso, as modificações foram superficiais, manifestando-se, no cenário brasileiro do período, uma defasagem entre educação e desenvolvimento, ou seja, entre “os produtos acabados oferecidos pela escola” e o que a indústria estava a exigir. Esse é o período em que Marta está tomando suas lições iniciais, que são marcadas predominantemente pela pedagogia tradicional, que exalta a memorização, a repetição, a disciplina, o castigo. A menina Marta corresponde às exigências educacionais de sua época: é disciplinada, responsável, inteligente, interiorizando o modelo professoral e pedagógico que contribuirá para sua formação professoral. Essas características estão evidenciadas em seu “boletim escolar” do Curso Complementar, datado de 1931, que apresenta suas notas e louva sua disciplina e empenho nas atividades diárias. Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 288 No cenário de formação inicial da Professora, que ocorreu entre os anos de 1929 a 1931, registra-se a falta de interesse pelo trabalho do professor, que não era contemplado pelas reformas educacionais promovidas no período. Conforme Ribeiro (2006, p. 32): [...] as verbas eram insuficientes para um atendimento a um tempo quantitativo e qualitativo melhor. [...] o modelo político-econômico (agrícola-comercial exportador), sendo contrário a redistribuição do lucro, comprometia tais verbas destinadas ao atendimento popular. E para o educador se colocava o dilema: atender menos e melhor, ou mais e pior. Esses fatores geraram insegurança no exercício da profissão professor, pois a abertura de um maior número de escolas traria para as salas de aula uma grande quantidade de alunos, o que comprometeria a qualidade do ensino e da aprendizagem, se não aumentasse/melhorasse também a quantidade/qualidade de educadores. Nesse cenário, o “otimismo pedagógico” que orientava para a ressignificação do modelo pedagógico tradicional conquista espaço entre educadores e estudiosos, visto que era a própria sociedade quem pensava / reivindicava a qualidade no ensino, preparando os estudantes para o mercado de trabalho. Assim a economia passou a influenciar as diretrizes da educação, como desejo de mudar os antigos paradigmas educacionais, e também como forma de trazer a educação para dentro da ideia de modernização em que o país se encontrava inserido. De acordo com Nagle (2001), as transformações econômicas, políticas, culturais pelas quais o Brasil passava nos anos de 1910 e 1920 teriam condicionado uma visão de educação que concebia a escola como sendo a instituição responsável pela difusão da cultura do progresso. A partir da década de 1910, alguns grupos passariam a buscar na educação sua bandeira de luta como foi o caso do Nacionalismo. O Nacionalismo começou a vigorar no Brasil durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Foi um movimento de respaldo no processo de industrialização do país, começando a ser inserido diretamente no contexto escolar, nas disciplinas de moral e cívica e na rotina escolar como por exemplo, no hasteamento da bandeira, na entoação dos hinos e cantigas acerca dos símbolos nacionais, na história com ênfase ao sentimento patriótico. Essas práticas tinham por objetivo despertar nas crianças e adolescentes o sentimento de amor e respeito a pátria, clamando pela valorização do nacional, que de acordo com Nagle (2001, p. 67), essa “pregação nacionalista centralizar-se-á na formação da consciência nacional”, buscando desconstruir a ideia de que a mestiçagem cria um povo fraco, contribuindo para a valorização do brasileiro nato. Preocupava-se em combater o analfabetismo e disseminar a instrução popular, pois só assim o povo poderia ter o direito ao voto respeitado e garantido (que deveria ser obrigatório e secreto), podendo participar diretamente das decisões políticas, tirando das mãos das oligarquias o domínio das decisões nacionais. Quando Marta inicia sua vivência escolar como aluna, as pregações nacionalistas manifestam-se no contexto nacional e local, refletindo-se nas atividades do cotidiano escolar, nas atividades cívicas de culto aos símbolos nacionais, nos “ditados” e “cópias”, realizados diariamente, incutindo pela repetição e memorização os valores sociais e políticos da época. Essas ideias estão presentes em seus cadernos de atividades datados de 1931, e repetidas diversas vezes em caligrafia muscular, em que novo e velho se articulam, configurando a tecitura do período Com a República e as reivindicações dos movimentos sociais pela instrução pública de qualidade para toda população brasileira, surge também o direito ao trabalho feminino, a mulher agora através do magistério podia fazer parte da economia familiar. O surgimento dos prédios escolares vai testemunhar o trabalho da mulher no magistério público, a mulher Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 289 passa a sair de casa e dirigir-se aos prédios escolares, o que antes era visto como uma distração, passa-tempo, uma função doméstica, contribui para introduzir a mulher no seio do novo modelo urbano-industrial-capitalista em vigor, o que de certa forma contribuiu para a feminização do magistério. Pois só a mulher [...] por possuir características como a da pureza, ingenuidade e docilidade, poderia educar a infância lhes instruindo sobre as primeiras noções do bem. Como consequência disso, desse conceito de vocação da mulher para o magistério, o afastamento dos homens da carreira docente somente aumentou (GOMES; SOUZA, 2008. p. 4). Esse fato serviu de “análise para o entendimento de como a mulher, formada e formadora, carrega consigo a marca da sujeição a ordem social” (ESQUISANI; WERLE, 2010), compreendendo-se que esse pode ser um dos factores que contribuem para a crise da profissão professor, que passou a ser encarada como semiprofissão, gerando insegurança e descrença no exercício docente. No âmbito das mudanças sociais e educacionais vai sendo construída a identidade professoral da professora Marta Bezerra de Medeiros, que nascida em 1915, testemunha as dificuldades de escolarização da população no final da Primeira República. É nesse momento que mantém o primeiro contato com a escola, durante a infância, o que é interessante observar pelo fato de que a identidade professoral é construída a partir dessa etapa da vida em que se toma como modelo os primeiros mestres, seus comportamentos e valores. Essas representações somam-se a outras ao longo das histórias de vida, refletindose nas experiências cotidianas, ações, posturas profissionais e pessoais, configurando-se como saberes construídos sobre a profissão. É certo que se aprende o estilo de vida de ser professor, o que ocorre quando se observa o comportamento dos primeiros professores, momentos importantes em que se configura a representação da figura do professor no imaginário. Nesse sentido, a identidade do professor é construída em um processo contínuo, iniciado antes da formação inicial, prolongando-se ao longo da vida e atravessando múltiplos contextos, vivendo vários dilemas, construindo conhecimento em vários domínios. Sobre esse fato, Esquisani; Werle (2010, p. 106) contribuem para a indagação “sobre a marca que uma instituição é capaz de produzir em um sujeito a ela vinculado, configurando trajetórias e moldando visões de mundo com tamanha intensidade que é impossível separar, mesmo nas memórias (subjetivas), o sujeito que narra da instituição narrada”. É um processo entrelaçado à vida dos sujeitos um eterno moldar-se às características ligadas a educação. Nesse sentido, Esteve (1999) ressalta que as mudanças sociais ocorridas nos últimos anos também influenciaram a vida pessoal e profissional dos professores. Ou seja, construir sua identidade de professor, onde os saberes das experiências são importantes, mas somente estes não bastam, são insuficientes. A docência representa um desafio e exige conhecimentos, competências e preparação específica para seu exercício. Marta Bezerra de Medeiros estudou no Grupo Escolar Pedro II (ao estudar nos Grupos Escolares o (a) jovem além do ensino de boa qualidade, também gozava do reconhecimento/status social, passando a ser respeitado (a) pela sociedade. No caso das moças, estas eram tidas como os melhores partidos para o casamento. De acordo com Medeiros (2012a), os Grupos Escolares foram uma via de acesso das mulheres na vida econômica e social do país, pois com o direito à educação, el
















     Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 280 PROFESSORA MARTA BEZERRA DE MEDEIROS: A PROFISSÃO DOCENTE NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX (RIO GRANDE DO NORTE, 1915-1954) Maria Elizete Guimarães Carvalho Universidade Federal da Paraíba - UFPB RESUMO Este artigo tem por propósito refletir sobre a história de vida da Professora Marta Bezerra de Medeiros, a partir dos resultados do Projeto de Iniciação Científica Professora Marta Bezerra de Medeiros: a profissão docente na primeira metade do século XX (1915 – 1954), desenvolvido no período de agosto/2011 a julho/2012, na Universidade Federal da Paraíba. A história de vida professoral apresenta conhecimentos sobre o exercício da profissão docente na primeira metade do século XX, esclarecendo questões que marcam a crise professoral atualmente, possibilitando a compreensão das relações educacionais, sociais e políticas desenvolvidas nesse período histórico. Metodologicamente, trabalhou-se com os procedimentos da história oral articulados ao diálogo com fontes escritas e iconográficas, inserindo, nesse contexto investigativo, a pesquisa biográfica, alicerçando o trabalho com os estudos de Passegi (2010), Delory-Momberger (2008), Esteve (1999), Nóvoa (1999), entre outros. A configuração do ser professora não ocorre de forma isolada de suas condições históricas. Nesse sentido, o trabalho da Professora Marta foi modelado pelas condições históricas de seu tempo, mas por outro lado ressignificou a prática professoral da sociedade ainda patriarcal e conservadora das primeiras décadas da República. Palavras-chave: História de vida professoral. Profissão docente. Contexto histórico republicano. Prática professoral. TEACHER MARTA BEZERRA DE MEDEIROS: THE TEACHING PROFESSION IN THE XX CENTURY FIRST HALF (RIO GRANDE DO NORTE, 1915 - 1954) ABSTRACT This article purposes to reflect about de life history of Teacher Marta Bezerra de Medeiros, according de results of the Scientific Initiation Project named Professora Marta Bezerra de Medeiros: a profissão docente na primeira metade do século XX (1915 – 1954), developed at August/2011 to July/2012, in Universidade Federal da Paraíba. The teach life history presents information about the exercise of the teach profession in the XX century first half, explaining questions that mark the teach crisis, actually, allowing the comprehension of the educational, social and politic relations developed in that historic period. Methodologically, worked with the oral history proceedings articulated to the dialog with written and iconographic roots, inserting, in this investigative context, the bibliographic research basing the work in Passegi (2010), Delory-Momberger (2008), Esteve (1999), Nóvoa (1999) and others authors studies. The configuration of being teacher does not happen isolated of the historic conditions. In this way, the Teacher Marta’s work was done by the historic conditions of her time, but took a new mean to the teacher practice of the patriarchal and conservative society of the Republic first decades. Keywords: Teach life history, Teacher profession, Historic context of Republic, Teach practice Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 281 Introdução Os estudos sobre as histórias de vida professorais têm revelado que é possível conhecer a prática e a história da docência, o contexto social e histórico em que o percurso de vida se desenvolveu, a partir de abordagens biográficas e / ou (auto) biográficas, que colocam em conexão a vida pessoal e profissional, a vida e a história, fazendo “reaparecer os sujeitos face às estruturas e aos sistemas, a qualidade face à quantidade, a vivência face ao instituído” (NÓVOA, 1995a, p. 18). Nessa perspectiva, situam-se propostas investigativas de histórias de vida professorais, como tentativas de compreender o exercício da docência, as questões que permearam/permeiam a profissão, os papéis atribuídos ao professor, a formação de sua identidade, o espaço ocupado pelo docente ao longo da história, como também para compreender a crise que tem caracterizado a profissão professor nos dias atuais. De acordo com Nóvoa (1999), a desvalorização da profissão docente é um fato registrado faz muito tempo. A docência vem sendo constantemente descaracterizada tanto pelos baixos salários, como pelo excesso de papéis atribuídos ao professor, gerando uma situação de mal-estar na profissão, resultando em desmotivação pessoal, abandono, insatisfação, indisposição, desinvestimento na profissão e ausência de reflexão crítica (NOVOA, 1999). Em face de tais evidências, que revelam a depreciação e autodepreciação da docência, constitui-se preocupação o exercício da profissão professor no contexto atual, preocupação relacionada à prática cotidiana, a depoimentos escutados em sala de aula, a testemunhos gravados em investigações científicas, como também, a estudos realizados sobre a profissão (NÓVOA, 1999), (VEIGA; ARAÚJO; KAPUZINIAK, 2005), a vida (NÓVOA, 1995b) e a prática da docência (TARDIF; LESSARD, 2005). Nesse cenário teórico e prático, quase todas as evidências apontam para a depreciação da profissão ou para propostas de reconstrução, o que revela a crise porque passa a profissão docente, apesar das sociedades atuais reconhecerem a necessidade de investimento na educação. Nunes (2007, p. 22) explica a crise que marca a profissão docente atualmente: [...] A referida crise ganha destaque em decorrência de questionamentos que apontam as funções disciplinadora, controladora e ideológica, que regulam tal profissão ao visar garantir o profissionalismo técnicoinstrumental no sentido de atender à nova ordem social pautada por um projeto neoliberal, em detrimento de um profissionalismo assentado em uma conduta ético-reflexiva. Tal configuração do profissionalismo docente cria um desconforto na profissão, revelado em forma de crise que se projeta nos âmbitos profissional e social. Ora, a profissão docente não se tem constituído um atrativo para os jovens que buscam os cursos superiores. Esse fato, além das razões apontadas, tem uma explicação: existe um grande paradoxo caracterizando a profissão professoral atualmente, pois, se por um lado glorifica-se a sociedade do conhecimento, por outro, o tratamento dispensado aos professores revela o desprestígio da profissão. Na explicação de tal ambiguidade, Nóvoa (2010, p. 12) aponta o excesso de valorização da escola: “tudo se resolve dentro das escolas” e a diminuição da profissão professor: “qualquer coisa serve para ser professor”. Outro fator que também precisa ser considerado nessa reflexão diz respeito à demanda pelos cursos de formação de professores. Depoimentos revelam que a procura é justificada pela maior facilidade na entrada e também pela crença de que se trata de cursos fáceis1 . Grande parte da sociedade continua valorizando os cursos que formam engenheiros, Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 282 advogados, médicos, entre outros. Esses fatos geram insegurança e descrença na profissão docente. Incomodada com essa problemática, tentando compreendê-la e explicá-la, buscou-se na história da docência, a partir de trajetórias de vida professorais, explicações para o fenômeno dessa desvalorização, cruzando momentos de vida pessoal com momentos de vida profissional, acreditando que é possível compreender a maneira de ser na maneira de ensinar e a maneira de ensinar no modo de ser, o que revela ser “impossível separar o eu profissional do eu pessoal” (NÓVOA, 1995a, p. 17). Nesse sentido, o conhecimento da profissão docente ocorreria a partir da compreensão de vivências pessoais e profissionais, da reflexão sobre trajetórias professorais em conexão com o contexto histórico. Em face dessas considerações, objetiva-se nesse artigo refletir sobre a história de vida da Professora Marta Bezerra de Madeiros2 , em seus aspectos pessoal e profissional, tomando como período de análise a primeira metade do século XX, não como barreira ou limite à investigação histórica, mas como parâmetro definidor do recorte temporal, tendo em vista que o estudo de uma história de vida deve considerar a articulação entre presente, passado e futuro, entre o tempo e o espaço vivido. Histórias de vida professoral A opção pela história de vida professoral para compreensão da profissão docente em determinado momento histórico orienta para a investigação interna e externa da profissão, para a configuração da ação pedagógica do professor, sua postura no exercício professoral, como também as relações profissionais, sociais e políticas desenvolvidas ao longo de sua vida. Da compreensão dessas relações e das trajetórias percorridas resultaram explicações sobre o significado da docência e da crise que perpassa a profissão atualmente. Nesse sentido, o estudo do passado da profissão docente constitui-se uma alternativa de explicação para questões manifestas no presente, demonstrando ser imprescindível o intercâmbio de experiências, a interpretação de relações, representações, fatos e acontecimentos a partir de fontes documentais e da memória individual e/ou social. Nessa configuração, a biografia como instrumento de pesquisa histórica transforma a vida íntima ou profissional em matéria histórica, permitindo a compreensão de uma época e a configuração da superfície social em que age o indivíduo. As práticas sociais e as representações da docência configuradas na vida pessoal e profissional da Professora Marta Bezerra de Medeiros forneceram subsídios para a compreensão da profissão professor na sociedade brasileira da primeira metade do século XX, contribuindo para o esclarecimento do mal-estar docente nos dias atuais. A investigação de trajetórias de vida professorais significa também investigar a articulação entre presente e passado, considerando que as pessoas não nascem professoras, elas se constituem docentes, por processos de formação e autoformação, imbricados em um tempo e espaço. Nessa compreensão, as questões que envolvem o ser professor atualmente estariam relacionadas com o passado da profissão. [...] pesquisar sobre professores e suas trajetórias é, em qualquer tempo, trabalhar com um contexto muito anterior à prática em si, ao dia a dia, a vida funcional. É levar em conta o período de formação, de ‘formar para a ação’, e o período ainda anterior a este, a história de vida de cada um dos sujeitos, o que os trouxe, em última instância, a preparação para o exercício do magistério (ESQUISANI; WERLE, 2010, p. 106). Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 283 Os estudos realizados sobre a história de vida de professores apontam trajetórias educacionais desconhecidas e inusitadas, abordagens que permitem o conhecimento de vidas desaparecidas, de mudanças e rupturas, evidenciando as vantagens e as limitações da utilização desse recurso historiográfico para o conhecimento e análise dos problemas educacionais que marcaram/marcam determinado período histórico. São investigações que estabelecem conexões e coerências entre acontecimentos pessoais, profissionais e políticosociais, orientando a interpretação de problemas educacionais contemporâneos. Essa abordagem histórica revela que é o entrelaçamento da vida de uma pessoa com sua época e com seu contexto que constitui suas experiências. Na verdade, compreendendo a história de vida de uma pessoa estaria compreendendo seu próprio tempo, já que essa articulação traria explicações sobre acontecimentos pessoais, profissionais e político-sociais. Por outro lado, o trabalho com histórias de vida abre espaço para a exploração de novas perspectivas do passado, proporcionadas por outras fontes documentais, como correspondências, diários, poemas, colocando em evidência o paradigma da história vista de baixo, de pesquisar vidas e histórias de pessoas frequentemente ignoradas ou que aparentemente não ocuparam um lugar especial na história. Um trabalho que pretende investigar a profissão professoral a partir de trajetórias de vida e de recortes biográficos procura desenvolver uma reflexão sobre a vida do professor, seus anseios, suas lutas pela sobrevivência e pelo desempenho da profissão docente. As histórias de vida professorais revelam questões que permeiam a profissão em determinado momento e contexto histórico, possibilitando a compreensão das dificuldades, condições, jeito de ser e agir docentes. Na sociedade atual, as modificações ocorridas influenciam a vida pessoal e profissional dos professores, criando-se desafios ao exercício da profissão, pela própria indefinição dos papéis que são chamados a desempenhar. Nóvoa (2010, p.12) aponta alguns fatores que fragilizam a profissão professor nesse contexto, como é o caso do “excesso das missões da escola, o excesso de pedidos que a sociedade nos faz e, ao mesmo tempo, uma cada vez maior fragilidade do estatuto docente”; a “retórica do professor reflexivo e, ao mesmo tempo, a inexistência de condições de trabalho concretas [...] e desenvolvimento profissional [...]” (p.13). “Os professores têm perdido prestígio, a profissão docente é mais frágil do que era há alguns anos”. As modificações sociais implicam novas configurações para o profissional professor, que se sente perdido frente ao novo cenário educacional, acarretando o desgaste de sua imagem. O “professor encontra-se numa encruzilhada: mudar, melhorar, produzir uma nova referência de profissionalidade” (FARIAS, 2007, p. 75). A reflexão sobre o desgaste operado na profissão docente aponta para o estudo de histórias de vida professorais, como tentativa de compreender a profissão professor, sua história, representações. Porque o indivíduo representa sua história, expressa sua existência em narrativas, na relação consigo mesmo e com a coletividade, em diários, memórias, discursos, correspondências, currículos, autobiografias, figurando acontecimentos, ideias, relações, sentimentos, em um processo de biografização que vai além do processo “sóciohistoricamente inscrito, formal e estruturalmente determinado”, realizando-se também como “processo de socialização e construção da realidade social” (DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 26). As histórias de vida no campo educacional permitem compreender como os profissionais da educação constroem seus percursos existenciais, sua trajetória de formação e profissional, os saberes sobre a realidade e sobre si mesmos, em uma concepção da biografização como interação entre o indivíduo e a sociedade. Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 284 [...] No pólo educação-formação, ela [a abordagem biográfica] é representada, particularmente, pela corrente das histórias de vida, cujos dispositivos têm o intuito de esclarecer projetos pessoais e profissionais a partir da apropriação de uma ‘história pessoal’ (DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 26). Nesse sentido, a história pessoal de uma professora, representada pela biografia, contribui para compreensão da profissão docente em determinado momento histórico, fornecendo pistas para a problemática da profissão atualmente. Enquanto conjunto de representações que o indivíduo constroi da própria vida e de sua história, a biografia tornou-se um componente e um horizonte do campo educativo. A maneira como os indivíduos biografam suas experiências e, em primeiro lugar, a maneira como integram em suas construções biográficas o que fazem e o que são na família, na escola, na sua profissão e na formação continuada são parte integrante do processo de aprendizagem e de formação (DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 30). A Professora Marta Bezerra de Medeiros deixou na biografização de sua existência indícios e pistas investigativas sobre o fazer docente na primeira metade do século XX. As configurações da sociedade em que viveu estão presentes em seu trabalho professoral, em sua poesia romântica e em suas cartas. É como se ela se autofigurasse ou se autorevelasses nos fazeres do seu cotidiano. Seu autoretrato está configurado em documentos, imagens, diários, cadernos, livros de matrícula, cartas que revelam práticas sociais e educativas de um tempo histórico em transição. O estudo de suas representações revela os projetos de vida de uma mulher para estudar, assumir a profissão docente, agir e interagir no mundo do trabalho e na sociedade do conhecimento, lutando para ser dona de seu próprio destino, apesar de órfã e paraplégica, conflitando com o paradigma ainda estável e dominante na primeira metade do século XX, da mulher mãe e dona de casa. Nesse sentido, a apropriação da vida de uma pessoa é feita pela escrita de sua história, configurada em representações biográficas que assumem a forma de biografias, autobiografias, diários, correspondências, memórias, constituindo-se em importante documentação para a compreensão de uma época, de um grupo social, de uma história pessoal. O curso de uma vida se desenvolve em um espaço-tempo no qual nasce a história de vida, apropriada pelo seu figurante através da escrita histórica. As investigações que trabalham com histórias de vida no campo educacional privilegiam a pesquisa biográfica, valorizando os planos teórico e empírico, reunindo materiais e observações, analisando documentos e materiais que contribuem para a compreensão de processos biográficos e de biografização. As fontes (auto) biográficas, constituídas por diários, autobiografias, biografias, cartas, memoriais, entrevistas, narrativas, relatos, cadernos escolares, entre tantas outras,tornaram-se há mais de trinta anos,objetos de investigação dos mais pertinentes em educação. Elas têm permitido criar novos territórios de indagação sobre a aprendizagem nos mais diversos domínios e nas mais distintas modalidades (SOUZA; PASSEGI; ABRAHÃO, 2008, p. 11). Com fundamento nessa afirmação e para compreender a profissão docente, colocouse em análise os registros, as representações biográficas figuradas pela Professora Marta Bezerra de Medeiros na primeira metade do século XX. Sua história de vida foi analisada a Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 285 partir dos enfoques profissional, privado e político-social, propondo-se a análise de documentos pessoais, como correspondências, poemas, fotografias, diários, e profissionais, como livros de matrícula, diários de classe, anotações, cadernos, apostilas, entre outros, em articulação com o estudo bibliográfico do contexto histórico. Realizou-se a articulação entre a história de vida professoral e sua época, ultrapassando os limites da narrativa pela interpretação. Pesquisas com histórias de vida no campo educacional evidenciam a pessoa do professor ao ressaltar a relevância da subjetividade como um dos conceitos articuladores dos questionamentos teóricos vigentes e das propostas que realimentam o estudo do método. [...] Com a centralização dos estudos e práticas de formação na pessoa do professor, busca-se abordar a constituição do trabalho docente, levando-se em conta os diferentes aspectos de sua história (pessoal, profissional e organizacional), a partir da tomada de consciência, do reconhecimento das fontes e dos dispositivos de construção/apropriação dos saberes da docência em articulação com o fazer cotidiano do/no trabalho pedagógico (GOMES; SOUZA, 2008, p. 127-128). A pesquisa biográfica é uma pesquisa qualitativa. O estudo da história de formação e profissional dos indivíduos implica em um trabalho de explicação e de análise, em que percursos são interpretados considerando a interface entre o social e o pessoal. [...] eles [os percursos] se inserem sempre em biografias que não são redutíveis ao mecanismo exclusivo de coerções sociais exteriores nem a uma instância puramente subjetiva e tiram, precisamente, a singularidade deles de um jogo único de inter-relações entre modelos sociais e experiências individuais, entre determinações sócio-históricas e história pessoal (SOUZA; PASSEGI; ABRAHÃO, 2008, p. 11). Com fundamento nessa explicação, a profissão docente foi discutida, considerando a articulação entre a história privada da Professora Marta Bezerra de Medeiros, realizada a partir do estudo de sua produção manuscrita cotidiana, da leitura desses documentos nas entrelinhas, e as determinações sócio-históricas, em um processo de interação entre a vida e a história, abrindo-se espaço também para o trabalho com fontes orais. No estudo da história de vida da Professora, sua trajetória foi concebida para além de uma existência individual, um caminho, uma linearidade, com um começo, um meio e um fim, como se fora um percurso orientado, numa ordem cronológica imutável, irreversível. Assim, foram estudados quadros de sua vida, muitas vezes descontínuos e contraditórios, mas unidos por elos invisíveis, repletos de significado, que estabelecem conexões e coerências entre acontecimentos pessoais, profissionais e político-sociais, permitindo a compreensão de uma época e a configuração da superfície social, em que age o indivíduo. Marta Bezerra de Medeiros e a profissão docente na primeira metade do século XX: formação ou vocação? Com o propósito de analisar a profissão docente, tomando a primeira metade do século XX como contexto de referência, refletiu-se sobre momentos da história de vida da Professora Marta Bezerra de Medeiros, definindo os papéis ocupados, assim como as práticas culturais desenvolvidas em sua existência, colocando em discussão fatores que Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 286 contribuíram para transformação, renovação e desvalorização da profissão professor atualmente. Nascida no início do século XX, na cidade de Jardim de Angicos /RN e exercido o magistério a partir de 1932, Marta Bezerra de Medeiros foi protagonista das lutas pela educação em seu Município, sendo nomeada professora municipal, numa época em que não existiam escolas municipais nessa região. Os acontecimentos que foram marcantes em sua vida estão representados em documentos biográficos, fotografias, adquirindo sentido a partir de processos de apropriação da realidade. As palavras de Carvalho (2009, p. 6) apontam a importância do trabalho da professora Marta Bezerra de Medeiros para sua época. A professora Marta Bezerra de Medeiros foi artífice do seu tempo. Tendo nascido mulher e se constituído professora na primeira metade do século XX, tanto reproduziu como reinterpretou/recriou as características e representações da mulher professora. Cabe então investigar as práticas culturais/sociais vivenciadas/desenvolvidas por Marta, ao lado das representações de sua prática docente em um contexto social local, em um momento em que se construíam novos saberes sobre a docência, tendo em vista a quebra de paradigmas sobre seu exercício. Um esboço de sua biografia contribuirá para compreender melhor quem era Marta Bezerra de Medeiros3 e situá-la em seu contexto histórico. Marta era filha do fazendeiro Manoel Bezerra da Cunha, proprietário da fazenda Nova Olinda e das terras da milhã dos Cunha, em Jardim de Angicos/RN, e Ana Hermina de Paiva Cunha (falecida após o nascimento de Marta) proveniente das famílias mais antigas da cidade. Pela decisão do pai em casar-se novamente, foi doada para adoção ao casal Manoel Lourenço e Maria Rosa Bandeira de Melo. Aos seis meses de vida, Marta foi acometida de poliomielite, que a deixou com sequelas no membro inferior esquerdo. Nascida em pleno início do século XX, recebeu influência na vida pessoal e profissional dos vários acontecimentos que marcaram o cenário sociopolítico e econômico em que viveu, presenciou e/ou participou durante sua formação. No período de 1915 a 1954, o país caracterizava-se por uma economia em transição, avançava para a industrialização, mas ainda se percebiam formas de produção colonial e agrária (NAGLE, 2001), principalmente no Nordeste, relações sociais de poder e ideias conservadoras, que implicavam na continuidade das relações econômicas. O processo de urbanização industrial fomentou o surgimento de grupos que lutavam pela construção de um novo país e o contato com a cultura trabalhista europeia e dos Estados Unidos despertou a necessidade de escolarização da população no intuito de preparar mão de obra qualificada para operar as máquinas. Resta lembrar que a educação do país caminhava a passos lentos, distante do desenvolvimento da sociedade, que já exigia para o processo de desenvolvimento do capitalismo uma mão de obra qualificada, ou pelo menos, pessoas alfabetizadas para operarem o trabalho nas fábricas. Segundo Carvalho (2009, p.8): O contexto histórico brasileiro da primeira metade do século XX é marcado por continuidades e transformações no plano político, econômico e social, que apontam para novos comportamentos, para o surgimento de conflitos internos, movimentos sociais, correntes de ideias, orientando para a conservação ou reformulação da ordem social. As ideias socialistas / anarquistas que já eram conhecidas e discutidas no Brasil nos primórdios da República Velha foram trazidas pelos estudantes brasileiros que voltavam da Europa e principalmente pelos novos imigrantes (que chegavam ao país com o objetivo de Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 287 construírem uma vida melhor). Nesse contexto, são criadas escolas baseadas na pedagogia das “escolas modernas” (que valorizavam a educação como ferramenta capaz de construir o cidadão ativo na sociedade), com ideias que contribuíram para a insatisfação e desejo de mudança durante esse período, cabendo à educação o papel de agente transformador ou pelo menos de agente esclarecedor da população de seus direitos e deveres. Com as ideias da escola renovada, a educação passou a ser compreendida como a ferramenta de ascensão social do indivíduo que vivia a margem da sociedade. Esse foi um dos fatores responsáveis pelas primeiras mudanças ocorridas no cenário educacional, pela veiculação de um ideário educacional que proclamava a importância da escola como via de reconstrução da sociedade brasileira, defendendo a necessidade de reorganização do ensino. Ghiraldelli (2006, p. 33) observa como era a pedagogia no período: A pedagogia ensinada até então, quase sem muita consciência, através da observação do comportamento do professor e repetida posteriormente pelos alunos ao se tornarem professores, era uma fusão da pedagogia formalizada pelo alemão Friedrich Herbart (1776-1841) com a pedagogia que vigorou no passado com a Companhia de Jesus, e que se mantinha forte até então (através dos princípios do Ratio Studiorum). Os princípios da escola tradicional começam a ser criticados, em função das transformações sociais e políticas que estavam acontecendo. Não havendo mais espaço para uma pedagogia influenciada por ideias religiosas e de tendência contemplativa, a pedagogia tradicional começou a sofrer rejeição, pois a burguesia buscava uma escola voltada para a realidade, que acompanhasse as transformações da sociedade em ascensão. Em 1920, os intelectuais do país se rendem as ideias inovadoras do filósofo norte americano John Dewey que traz para a educação brasileira as ideias do escolanovismo. O aluno é colocado no centro do processo de ensino e aprendizagem. As ideias veiculavam em alguns casos a liberdade e igualdade de direitos. Mas se de um lado os movimentos pregavam a ascensão da população à educação, ao trabalho, à participação, ao conhecimento da leitura e do cálculo, criando-se uma demanda por educação, por outro lado, as indústrias necessitavam de mão de obra qualificada e barata, necessidade surgida com o advento da industrialização, que exigia no mínimo a instrução da leitura e do cálculo para participação ativa no mercado de trabalho, o que de certa forma contribuiu para a escolarização da camada mais pobre da sociedade, que passou a ter direito ao acesso as escolas. É essa necessidade do capitalismo industrial de “fornecer conhecimentos a camadas cada vez mais numerosas, seja pelas exigências da própria produção, seja pelas necessidades de consumo que essa produção acarreta” (ROMANELLI, 1978, p. 59), que vai contribuir para a exigência da formação de recursos humanos, exercendo pressão no sistema educacional, sem, no entanto, apresentar uma proposta para mudanças profundas na estrutura educacional. Em face disso, as modificações foram superficiais, manifestando-se, no cenário brasileiro do período, uma defasagem entre educação e desenvolvimento, ou seja, entre “os produtos acabados oferecidos pela escola” e o que a indústria estava a exigir. Esse é o período em que Marta está tomando suas lições iniciais, que são marcadas predominantemente pela pedagogia tradicional, que exalta a memorização, a repetição, a disciplina, o castigo. A menina Marta corresponde às exigências educacionais de sua época: é disciplinada, responsável, inteligente, interiorizando o modelo professoral e pedagógico que contribuirá para sua formação professoral. Essas características estão evidenciadas em seu “boletim escolar” do Curso Complementar, datado de 1931, que apresenta suas notas e louva sua disciplina e empenho nas atividades diárias. Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 288 No cenário de formação inicial da Professora, que ocorreu entre os anos de 1929 a 1931, registra-se a falta de interesse pelo trabalho do professor, que não era contemplado pelas reformas educacionais promovidas no período. Conforme Ribeiro (2006, p. 32): [...] as verbas eram insuficientes para um atendimento a um tempo quantitativo e qualitativo melhor. [...] o modelo político-econômico (agrícola-comercial exportador), sendo contrário a redistribuição do lucro, comprometia tais verbas destinadas ao atendimento popular. E para o educador se colocava o dilema: atender menos e melhor, ou mais e pior. Esses fatores geraram insegurança no exercício da profissão professor, pois a abertura de um maior número de escolas traria para as salas de aula uma grande quantidade de alunos, o que comprometeria a qualidade do ensino e da aprendizagem, se não aumentasse/melhorasse também a quantidade/qualidade de educadores. Nesse cenário, o “otimismo pedagógico” que orientava para a ressignificação do modelo pedagógico tradicional conquista espaço entre educadores e estudiosos, visto que era a própria sociedade quem pensava / reivindicava a qualidade no ensino, preparando os estudantes para o mercado de trabalho. Assim a economia passou a influenciar as diretrizes da educação, como desejo de mudar os antigos paradigmas educacionais, e também como forma de trazer a educação para dentro da ideia de modernização em que o país se encontrava inserido. De acordo com Nagle (2001), as transformações econômicas, políticas, culturais pelas quais o Brasil passava nos anos de 1910 e 1920 teriam condicionado uma visão de educação que concebia a escola como sendo a instituição responsável pela difusão da cultura do progresso. A partir da década de 1910, alguns grupos passariam a buscar na educação sua bandeira de luta como foi o caso do Nacionalismo. O Nacionalismo começou a vigorar no Brasil durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Foi um movimento de respaldo no processo de industrialização do país, começando a ser inserido diretamente no contexto escolar, nas disciplinas de moral e cívica e na rotina escolar como por exemplo, no hasteamento da bandeira, na entoação dos hinos e cantigas acerca dos símbolos nacionais, na história com ênfase ao sentimento patriótico. Essas práticas tinham por objetivo despertar nas crianças e adolescentes o sentimento de amor e respeito a pátria, clamando pela valorização do nacional, que de acordo com Nagle (2001, p. 67), essa “pregação nacionalista centralizar-se-á na formação da consciência nacional”, buscando desconstruir a ideia de que a mestiçagem cria um povo fraco, contribuindo para a valorização do brasileiro nato. Preocupava-se em combater o analfabetismo e disseminar a instrução popular, pois só assim o povo poderia ter o direito ao voto respeitado e garantido (que deveria ser obrigatório e secreto), podendo participar diretamente das decisões políticas, tirando das mãos das oligarquias o domínio das decisões nacionais. Quando Marta inicia sua vivência escolar como aluna, as pregações nacionalistas manifestam-se no contexto nacional e local, refletindo-se nas atividades do cotidiano escolar, nas atividades cívicas de culto aos símbolos nacionais, nos “ditados” e “cópias”, realizados diariamente, incutindo pela repetição e memorização os valores sociais e políticos da época. Essas ideias estão presentes em seus cadernos de atividades datados de 1931, e repetidas diversas vezes em caligrafia muscular, em que novo e velho se articulam, configurando a tecitura do período Com a República e as reivindicações dos movimentos sociais pela instrução pública de qualidade para toda população brasileira, surge também o direito ao trabalho feminino, a mulher agora através do magistério podia fazer parte da economia familiar. O surgimento dos prédios escolares vai testemunhar o trabalho da mulher no magistério público, a mulher Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 289 passa a sair de casa e dirigir-se aos prédios escolares, o que antes era visto como uma distração, passa-tempo, uma função doméstica, contribui para introduzir a mulher no seio do novo modelo urbano-industrial-capitalista em vigor, o que de certa forma contribuiu para a feminização do magistério. Pois só a mulher [...] por possuir características como a da pureza, ingenuidade e docilidade, poderia educar a infância lhes instruindo sobre as primeiras noções do bem. Como consequência disso, desse conceito de vocação da mulher para o magistério, o afastamento dos homens da carreira docente somente aumentou (GOMES; SOUZA, 2008. p. 4). Esse fato serviu de “análise para o entendimento de como a mulher, formada e formadora, carrega consigo a marca da sujeição a ordem social” (ESQUISANI; WERLE, 2010), compreendendo-se que esse pode ser um dos factores que contribuem para a crise da profissão professor, que passou a ser encarada como semiprofissão, gerando insegurança e descrença no exercício docente. No âmbito das mudanças sociais e educacionais vai sendo construída a identidade professoral da professora Marta Bezerra de Medeiros, que nascida em 1915, testemunha as dificuldades de escolarização da população no final da Primeira República. É nesse momento que mantém o primeiro contato com a escola, durante a infância, o que é interessante observar pelo fato de que a identidade professoral é construída a partir dessa etapa da vida em que se toma como modelo os primeiros mestres, seus comportamentos e valores. Essas representações somam-se a outras ao longo das histórias de vida, refletindose nas experiências cotidianas, ações, posturas profissionais e pessoais, configurando-se como saberes construídos sobre a profissão. É certo que se aprende o estilo de vida de ser professor, o que ocorre quando se observa o comportamento dos primeiros professores, momentos importantes em que se configura a representação da figura do professor no imaginário. Nesse sentido, a identidade do professor é construída em um processo contínuo, iniciado antes da formação inicial, prolongando-se ao longo da vida e atravessando múltiplos contextos, vivendo vários dilemas, construindo conhecimento em vários domínios. Sobre esse fato, Esquisani; Werle (2010, p. 106) contribuem para a indagação “sobre a marca que uma instituição é capaz de produzir em um sujeito a ela vinculado, configurando trajetórias e moldando visões de mundo com tamanha intensidade que é impossível separar, mesmo nas memórias (subjetivas), o sujeito que narra da instituição narrada”. É um processo entrelaçado à vida dos sujeitos um eterno moldar-se às características ligadas a educação. Nesse sentido, Esteve (1999) ressalta que as mudanças sociais ocorridas nos últimos anos também influenciaram a vida pessoal e profissional dos professores. Ou seja, construir sua identidade de professor, onde os saberes das experiências são importantes, mas somente estes não bastam, são insuficientes. A docência representa um desafio e exige conhecimentos, competências e preparação específica para seu exercício. Marta Bezerra de Medeiros estudou no Grupo Escolar Pedro II (ao estudar nos Grupos Escolares o (a) jovem além do ensino de boa qualidade, também gozava do reconhecimento/status social, passando a ser respeitado (a) pela sociedade. No caso das moças, estas eram tidas como os melhores partidos para o casamento. De acordo com Medeiros (2012a), os Grupos Escolares foram uma via de acesso das mulheres na vida econômica e social do país, pois com o direito à educação, elas também conseguiram o acesso ao mercado de trabalho) e na Escola Complementar4 (que preparava para o magistério público primário. Durante esse período as cadeiras eram formadas por aulas de “Leitura e Língua materna, Arithmética e Desenho Geométrico, Geografhia, História, Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 290 Educação Cívica e exercícios”) de Lajes, em 1931, ano em que se formou. Sua conduta disciplinada e esforçada nas atividades escolares, uma das melhores alunas, valeu-lhe um prêmio, o livro “Vitória pela Cruz”. Seu caderno de Caligrafia, datado de 1931, traz as marcas do nacionalismo presente nas escolas, influenciando as atividades de repetição e redação. É nesse período que Marta começa a moldar sua identidade e suas características de professora, influenciada pela formação inicial e pelos primeiros anos na escola, modelando seu estilo de vida, adequando à profissão, condicionando seus modos e hábitos pessoais à docência (ESQUISANI; WERLE, 2010). Sua formação foi marcada pelo modelo positivista de educação, pautado na memorização e repetição dos conteúdos. [...] que ela chamava de "ponto” e que era sabatinada pelos docentes. Os dois últimos anos do ensino eram denominados de complementar (o 5º e o 6º ano), estudando caligrafia, geometria, história do Brasil (fatos históricos, datas, heróis e valores), educação moral e civismo, geografia do Brasil e do mundo através de estudos do atlas geográfico, português, matemática, ciências naturais (física, química e biologia) e o ensino da calistênica para fortalecer o corpo e o espírito (MEDEIROS, 2012b, p. 3). Sua vida profissional tem início em 1932, quando é nomeada para o cargo de professora da Prefeitura Municipal de Lajes, na Escola de Nova Olinda, situada no distrito de Pico Preto, com apenas 16 anos, onde ficou até 1945. De acordo com Nóvoa (1999), "a identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão". A jovem Marta continua a modelagem de sua identidade de professora aos 16 anos envolta em dúvidas e conflitos pessoais (porque decide se tornar professora para ter como se manter financeiramente, pois não alimentava a esperança de arrumar um bom casamento e nem pretendia viver da bondade alheia para manutenção da vida. Nesse período, o casamento era a instituição destinada ao crescimento da mulher, sendo o magistério, outra forma de ascensão profissional) e políticos (porque é convidada a ser professora em um tempo em que a educação era vista como um curral eleitoral "com o objetivo de fabricar os eleitores" aptos a votarem nas indicações políticas dos coronéis (MEDEIROS, 2012a, p. 131)). É necessário lembrar a troca de favores que marcou as primeiras décadas da República brasileira. O coronelismo predominante principalmente no Nordeste como regime político e econômico dominava e manipulava os governos locais e estaduais. O pai de Marta tinha ligações com a oligarquia local e estadual. A jovem Marta desenvolveu-se nesse clima político, observando e conhecendo suas mudanças, interesses e poder. Nesse contexto patriarcal e conservador, as jovens que não podiam aspirar a um bom casamento pela ausência de um bom dote, aspiravam a ser professoras, como alternativa para a mulher. O magistério feminino configurava-se como profissão em alta na época, devido à associação da imagem da mulher à mãe, dona de casa, boa esposa e assim biologicamente relacionada ao cuidado e ensino de crianças. A profissão docente, no período de interesse pesquisado, também era compreendida como uma despesa menor para os cofres públicos que não precisariam mais sustentar mulheres órfãs ou viúvas. Por outro lado, vale lembrar, que nesse momento surgem profissões “mais privilegiadas” no mercado, fazendo com que os homens abandonem o magistério. Dessa forma, a profissão docente na primeira metade do século XX tornou-se privilégio das mulheres, que foi aos poucos afastando os homens do ensino primário (ALMEIDA JÚNIOR apud LOURO, 2008, p. 460), o que também atendia aos interesses do Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 291 Estado, tendo em vista que era menos dispendioso ter mulheres na docência do que arcar com maiores salários pagos aos homens. Destarte, a professora Marta exercia a docência em um tempo em que o direito ao conhecimento era restrito a poucos, as escolas isoladas do Rio Grande do Norte se propunham a desenvolver uma educação voltada para o bem-estar pessoal e social, passando a ideia que só com a extinção do analfabetismo seria construída uma sociedade justa e igualitária. Daí refletindo sobre a influência que Marta exerceu na educação de seu tempo, observa-se que ensinando nas Escolas Isoladas de Caiçara do Rio dos Ventos, Pedra Preta e Lajes “às crianças, adolescentes e aos adultos ler, escrever, contar, somar, dividir, subtrair, votar, ela procurava transmitir a necessidade dos estudos na busca de uma profissão-vocação e de transformações nas vidas pessoais dos alunos” (MEDEIROS, 2012a. p.123), orientando-os acerca da importância/necessidade da educação para o desenvolvimento do homem cidadão responsável por sua vida e pelas mudanças que estavam ocorrendo no país. Acreditava que a educação era o “momento central de toda formação humana” (CAMBI, 1999, p. 415). Marta exercia a docência em uma Escola Isolada. 5 Segundo Medeiros (2012a, p. 123), “as Escolas Isoladas, no Brasil, foram herdadas do oitocentos, onde eram multiseriadas, concomitantemente convivendo com a educação familiar e doméstica”. Nesse modelo de escola os professores eram obrigados muitas vezes a utilizar sua residência como local para a ministração das aulas, uma vez que não havia prédios apropriados, o salário era baixo e ainda chegava a atrasar o pagamento. Além da falta de estrutura física existiam outras carências que prejudicavam o ensino como a falta de bibliotecas, merenda, material didático, contribuindo para a pouca procura e não conclusão dos estudos pelos alunos. As professoras das Escolas Isoladas na primeira metade do século XX eram pessoas alfabetizadas, formadas pelos Cursos Complementares. Muitas vezes, eram mulheres jovens que buscavam na docência uma profissão respeitada, que pudesse contribuir para as despesas pessoais e/ou do lar. Sua indicação podia partir de fins políticos, com o intuito de alfabetizar o maior número de indivíduos aptos para votar nas eleições do novo regime. Ora, nesse momento, não sendo obrigatória a prática do concurso público para professor, as nomeações para esse cargo (como para tantos outros) se faziam por indicação política, a partir de promessas de campanhas. Os cargos estavam dispostos em um balcão de apostas, ganharia aqueles que compreendessem melhor o jogo. Martha compreendeu. Sua família tinha ligações e compromissos com o poder político local. Era filha de fazendeiro e aliado político do Sr. Francisco Leandro da Costa chefe político local. Sua mãe adotiva era amiga da primeira prefeita eleita de Lajes e do Brasil, Dona Alzira Teixeira Soriano6 (CARVALHO, 2011, p. 8). Foi o que aconteceu com Marta quando resolveu se tornar professora. Porque naquele período, as moças resolviam ser docentes, porque era a profissão que lhes era oferecida naquela estrutura social, além de possuírem o sentimento de pertencer a um grupo naturalmente vencedor, para o contexto da época. Marta respondeu aos apelos de sua época e se tornou professora primária, compondo o quadro de funcionários do Departamento de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, denominada de professora substituta da classe F, conforme título de nomeação encontrado em seu arquivo pessoal. Esse documento conta a história da educação da época, em que existia a categoria provisória para definir determinada categoria de agentes educacionais. Essa categoria hoje corresponde ao professor substituto, mas naquela época definia os professores que Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 292 ocupavam a função no lugar de outro. Marta então passou a usufruir um status social respeitado e que lhe trouxe grandes oportunidades. Passou a se vestir melhor, começou “a andar na moda”, a comprar jóias, casas, livros e fez amizade com pessoas influentes da sociedade e da política local e estadual. Sua paraplegia em nada dificultava suas relações sociais pela razão de pertencer a uma família bem conceituada da região. É o que explica Medeiros (2012b) em entrevista sobre a vida professoral de Marta Bezerra de Medeiros. As relações sociais na primeira metade do século XX se processavam através de influências, em que o contato com pessoas respeitadas na sociedade permitiam certo reconhecimento e ascensão social. Uma amizade de fundamental importância na vida da Professora Marta foi com Carolina Augusta da Silva Massa7 , que possuía mais de dois cursos de segundo grau, era funcionária da rede ferroviária e considerada uma intelectual da época, por isso gozava de influência social. Essa senhora contribuiu para a nomeação de Marta como professora substituta da Escola Isolada de Pedra Preta em 1945 e na nomeação, como dirigente da Escola Isolada de Lajes; também presenteava a professora com livros. Foi a responsável pela sistematização do seu saber. Sendo autodidata, Marta começou a aprender francês em casa por intermédio de um livro dado por Carolina Augusta, também começou a fazer cursos de capacitação pela Secretaria de Educação do Estado e a ter contato com a elite de professores do Departamento de Educação do Estado, como o professor Francisco Rodrigues Alves, entre outros (MEDEIROS, 2012b, p. 4). No arquivo documental de sua história de vida encontrase uma grande quantidade de correspondências trocadas entre ela e Carolina Augusta que se tornou amiga confidente durante o período turbulento da vida profissional da professora, em que enfrentava as dificuldades da troca de favores políticos na profissão professor (AUGUSTA, 1945). Carolina orientava a professora Marta a como lidar com o jogo de favores existente no serviço público. Esse jogo de interesses que não era baseado na competência, conhecimento, dedicação, bom desempenho dos professores. A amizade com Carolina trouxe para a jovem Marta maturidade e conhecimento científico que se somaram na vida pessoal e profissional. Outro grande amigo e tutor intelectual de Marta foi o Professor Francisco Rodrigues Alves8 , Inspetor de Ensino da escola de Pedra Preta, do Estado do Rio Grande do Norte, onde conheceu a professora Marta, tornou-se grande amigo, sendo quem resolvia os assuntos burocráticos da escola. Costumava presenteá-la com livros, monografias, influenciando-a a estudar português, literatura, conhecimentos acerca da cultura brasileira; era também quem falava sobre as ideias dos Movimentos Sociais e correntes de pensamentos que circulavam na época como o socialismo, anarquismo e nacionalismo. A jovem Marta ouvia e assimilava essas novas ideias, mesmo com resistência, por ser uma católica fervorosa. Sua amizade com Francisco Rodrigues proporcionou-lhe o acesso a várias áreas de conhecimento, pois o professor a presenteava com livros diversos do próprio Departamento de Educação. Ele também conseguiu junto ao Governo Federal, na época de Dutra, a doação da cadeira de rodas que a Professora usava. Esses fatos estão relatados na correspondência trocada com esse professor, disposta no arquivo pessoal da Professora Marta Bezerra de Medeiros. Outra amizade de destaque na vida de Marta foi com Maria Carmelita que doou o terreno na Rua Manoel Câmara, nº 64, Lajes, em 1965, para que a professora construísse a sede da Escola Isolada de Lages junto com a Escola de Datilografia e sua residência. Esse fato pode ser compreendido como uma representação das relações entre o público e o privado na história brasileira e que se estende às questões educacionais. A Escola Isolada de Lajes funcionava durante a manhã com uma única turma composta pelo 1º ano A, o 1º B e o 2º ano, e em alguns casos, alunos que eram preparados para o 3º ano do grupo escolar Pedro Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 293 II, em Lajes. A tarde funcionava a escola de datilografia e à noite, o curso de adultos que ela criou com objetivo de minimizar o analfabetismo dos adultos nas cidades onde exerceu a docência. Os cursos de datilografia, criação de flores, bordados foram pensados pela Professora Marta com incentivo para a permanência dos adultos no curso noturno, bem como uma fonte de renda para somar no orçamento mensal, já que o salário de professor era baixo. Observe-se que a prática pedagógica da Professora é permeada pelas relações sociais que marcavam sua época. Ora, se o professor era mal remunerado, os professores podiam na própria escola abrir cursos particulares para complementação do orçamento profissional. Não havia disciplina legal que impedisse a articulação entre a coisa pública e a privada. A característica de boa professora veiculou-se pela região e cidades vizinhas e todos queriam ter aula com a professora da cadeira de rodas. Sua prática pedagógica consistia em enxergar cada aluno como único, respeitando suas dificuldades e limitações de aprendizagem, criando métodos de fácil assimilação e participação em sala de aula. Preocupava-se em ensinar a ler, escrever, contar, soletrar, exigindo dos alunos uma boa caligrafia e responsabilidade com as tarefas escolares. Sobre a caligrafia, seu filho deu o seguinte depoimento: O ensino da caligrafia era assim retumbante, nenhum menino deixava de fazer a caligrafia, por que para ela uma letra perfeita era uma coisa importantíssima na vida dela. Agora por que essa caligrafia tão boa? Porque quando o menino estava no 4° ano ele iria para o grupo, como ele iria para o grupo à tarde, esse melhor aluno voltava pra sala para copiar no quadro os textos, o cabeçalho da aula, então essa criatura já era o monitor dela, entendeu? Que ia ajudar no próximo semestre e isso aconteceu com vários alunos que terminavam o 3º ano, que iam estudar no Grupo ou no Instituto Pio X, e voltavam para fazer essa ajuda. (MEDEIROS, 2012c, p. 11). A respeito da caligrafia muscular, Vidal (2007, p. 500) afirma que a proposta associava a disciplinarização corporal do aluno a “um controle mais minucioso do tempo individual”, o que “permitia compreender os novos desafios da escrita”. Assim, “À medida que se aperfeiçoava o traço, reduzia-se paulatinamente seu tempo de execução” (VIDAL, 2007, p. 501). Esse movimento de controle do corpo do/a aluno/a dava-se ao mesmo tempo em que a escola mineira passava de classes isoladas para grupos escolares, introduzindo o ensino seriado e especializando a docência. Constituía-se, assim, uma nova cultura escolar, baseada no ensino cada vez mais racionalizado, distinguindo, internamente, professores/as e alunos/as, que passavam a ser distribuídos diferentemente pelas classes primárias. A racionalização do espaço escolar era acompanhada por uma racionalização corporal dos/as educandos/as (VIDAL, 2012, p. 1). Essa racionalização do espaço e do corpo dos alunos está presente na prática pedagógica de Marta que se preocupava com a precisão do traço da escrita das palavras. Sua letra era quase um desenho (MEDEIROS, 2012c). Preparava desde cedo o alunado para tornar-se seus monitores, auxiliando durante as aulas nas atividades que exigiam um maior deslocamento pela sala. Pela necessidade imposta pela condição de paraplegia, ela reinventava o método monitorial, podendo ter uma grande quantidade de alunos na sala, Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 294 atendendo em um mesmo horário e na mesma turma, alunos das três séries iniciais, modelo pedagógico em funcionamento nas escolas isoladas. Realizava o planejamento de suas aulas sempre aos sábados e domingos. Aos sábados ia para o Grupo Escolar fazer o planejamento com todas as professoras da zona rural, do Estado. Seu planejamento se desdobrava até o domingo, onde ela cortava, colava, desenhava, adaptava as atividades que seriam feitas no flanelógrafo. Aquele ensino de gramática que ela não podia fazer no quadro ia para o flanelógrafo. Fora as aulas de gramática também usava esse recurso nas atividades de matemática em um processo relacional entre teoria e prática e na integração aluno-professor, pois incentivava seus alunos a participarem na elaboração da aula: Mandava os alunos irem pra rua buscar palito e dava aula de matemática exatamente utilizando os palitos no quadro exemplo: 1+1 (palito) vinha um aluno de lá e colocava 2 palitos; 2+1 (palitos) vinha o aluno botava 3 palitos e assim aprendiam os alunos do 1º, 2º e 3º anos. Essa tabuada era feita nesse quadro e se fosse para multiplicar era a mesma coisa 2x1 (palitos) (MEDEIROS, 2012b, p. 8). A formação de Marta alicerçou-se na prática da pedagogia tradicional positivista que distanciava os alunos do contato com o professor. No entanto, em seu autodidatismo conheceu as ideias do escolanovismo, utilizando-se, a partir de então das ideias pedagógicas das duas escolas predominantes na primeira metade do século XX. Assim, obrigava a memorização do “ponto”, mas também incentivava a participação dos alunos para a elaboração das aulas. Fazia questão em receber os alunos um por um na porta da sala de aula, realizando um atendimento individual na correção das tarefas. Pegava na mão do aluno para ensinar a caligrafia correta. Ensinava as turmas da 1ª, 2ª e 3ª séries, além de preparar para o Exame de Admissão para acesso dos alunos aos Grupos Escolares. Em seu arquivo pessoal e profissional, encontram-se fotografias da época que revelam seu fazer profissional. Sentada em sua cadeira de rodas, atendendo individualmente a cada aluno, ela representa o sacerdócio da vocação, como diria Medeiros, em entrevista. (2012c). Na mesma sala, dava aula a todas as turmas. Sua prática pedagógica fundamentavase no modelo aplicacionista que aprendeu no Grupo Escolar Pedro II, que possuía um “ensino simultâneo, a racionalização curricular, controle e distribuição ordenada dos conteúdos e do tempo ( graduação dos programas e estabelecimento de horários), a introdução de um sistema de avaliação” (SOUZA, 2004, p. 114), baseado na imitação de modelos prontos, reproduzindo atividades de memorização com repetições perfeitas. Sua metodologia de ensino primava pela repetição e assimilação dos assuntos, terminava ensinando tudo a todos, fazendo assim, com que os alunos tivessem acesso aos conteúdos de todas as séries. Por anos sua escola foi procurada pela comunidade local e adjacências, talvez pelo exercício de um modelo escolar que não impunha o castigo físico e de uma prática pedagógica que, fundamentada no amor, valorizava a essência do fazer professoral, compreendido naquela época como fazer missionário. Tal fato chegou ao conhecimento do Presidente Marechal Dutra, que através do telegrama datado de 07 de agosto de 1948, endereçado à Professora Marta, proveniente da Presidência da República, oferta-lhe uma cadeira de rodas, pelo seu trabalho louvável e comprometido com a educação do país, conforme publicação na Revista Pedagogium, datada de 1948, e telegrama da Presidência da República, encontrado em seu arquivo: Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 295 Marta Bezerra da Cunha, professora provisória, classe A, com exercício, atualmente, numa escola isolada da cidade de Itaretama, é bem um exemplo a ser apontado do elemento dedicado ao seu mister. Trabalhando, a princípio, na vila de Pedra Preta, do mesmo município de Itaretama, a contento de todos, num esforço profícuo, não mediu sacrifícios, apesar de os bons fados não a favorecerem. Marta sofre de ataxia locomotora. Conquanto, privada de locomover-se, por essa longa e pertinaz enfermidade, apreciável tem sido a sua cooperação à nobre causa do ensino. Movida pela angústia do seu estado físico e confiante na generosidade dos grandes corações, teve a feliz idéia de se dirigir ao Sr. Presidente da República, relatando, de modo circunstanciado, numa carta simples, mas cheia de sugestiva sinceridade, a situação aflitiva que a atormentava. E não se fez esperar o gesto magnânimo do primeiro Magistrado da Nação, concretizado, na oferta patriótica e humanitária, que acaba de fazer à jovem professora da cidade de Itaretama, de uma Cadeira de Rodas, que lhe viesse suavizar as agruras da contingência, que lhe impôs o Destino. Como se vê, nem tudo está perdido, nesta terra de grandes possibilidades, neste país do futuro, como se exprimiu Zweig... (GESTO, 1948, p. 41). O texto da Revista Pedagogium revela e reforça a representação professoral da época. O professor é aquele profissional que se sacrifica pela profissão, que não mede esforços ou sacrifícios no exercício de sua missão. Marta é o modelo. Mulher, órfã, solteira e paraplégica. Dava aula para os filhos dos grandes proprietários de terras de Pedra Preta, exemplo Borges Tupinambá que é grande fazendeiro no Rio Grande do Norte, sobrinho do governador daquela época, João Valera. Mas também dava aula aos filhos das pessoas pobres da cidade. As atividades relativas às disciplinas de História Geral e do Brasil, noções de História do Brasil, noções de História Geral, Ciências Naturais eram feitas através do “ponto”. Ela aprendeu que quanto mais você decorava, mais aprendia. Então quanto mais o aluno do 3º e 4º anos decorasse os textos e datas comemorativas de “ponta a ponta”, melhor ele seria. O aluno tinha que escrever o que ela havia dito “em uma espécie de lembrar, repetir, sem elaborar” (MEDEIROS, 2012a, p.12), o que para ela era o suficiente. Essa memorização dos conteúdos estudados era apenas para a realização das provas, não estimulava a criticidade do alunado, mas se ressalta que esse método de ensino estava dentro dos parâmetros pedagógicos e curriculares do seu tempo e era utilizado por suas colegas das escolas isoladas e do grupo escolar. Ela também fazia ditado para saber se o aluno aprendeu a escrever, a colocar vírgula, ponto, acentuar bem, a fazer as regras da gramática, fazendo uso dos aspectos da Pedagogia Tradicional. Em seu percurso professoral, entrou em contato com novos materiais didáticos, os carimbos, com figuras das letras do alfabeto e imagens dos principais representantes da História Nacional (material constante em seu arquivo pessoal, verificada em abril de 2012). Constatou-se que mesmo tendo sido educada no âmbito de uma pedagogia tradicional na qual o professor era o centro do processo de ensino, e utilizando a memorização dos conteúdos e a disciplinarização do aluno como pontos importantes de sua prática, a Professora Marta abria espaço em seu fazer professoral para novas ideias/metodologias/recursos que circulavam no contexto educacional, as ideias da escola renovada que privilegiavam o aluno e a aprendizagem. Ao mesmo tempo em que as colocava em prática também buscava melhorar seu trabalho, tomando como fundamento a pedagogia explicitada no livro “Educação e Ensino” de João Henrique Pestalozzi (presente Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 296 ganho do amigo e Inspetor de Ensino, professor Francisco Rodrigues Alves), que apresenta a escola como local prazeroso para se estar. Ao mesmo tempo em que alfabetizava seus alunos, também procurava construir a identidade de cidadão pronto para conviver em sociedade, atendendo às necessidades do mercado de trabalho sem se esquecer dos seus direitos e deveres sociais, para assim se tornar um ser completo, responsável por seus atos em que o amor, o carinho e a atenção deixavam o ambiente escolar mais aconchegante para aluno e professor. Assim, a professora Marta desenvolvia a pedagogia do amor, de Pestalozzi (MEDEIROS, 2012b). Por outro lado, era autoritária quando se tratava do cumprimento das atividades escolares. O aluno tinha que cumprir, não podia deixar de fazer o dever e nem deixar de fazer o ditado, todas as atividades eram obrigatórias/primordiais. Corrigia todas. O aluno também tinha aula de educação moral e cívica. Às quintas-feiras ela reunia os alunos do lado de fora do prédio, colocava-os enfileirados para o hasteamento da Bandeira e para cantar o Hino Nacional. Exigia que o aluno soubesse o Hino da Independência, o Hino da Bandeira, o Hino Nacional, o Hino da República e que conhecesse os símbolos da pátria, sagrados para ela. Essas práticas cívicas presentes no trabalho da Professora Marta revelam a influência da corrente Nacionalista veiculada nas primeiras décadas da República. Nas palavras de Medeiros (2012b, p. 7): "e eu me lembro que ela batia palmas e eles entravam tudo em fila, depois ela batia palmas e todo mundo sentava na cadeira, [...] pra ela começar a trabalhar". E quando era mais ou menos 9h30min “todo mundo rezava o Pai Nosso, não importava a religião, para agradecer a Deus a oportunidade de estar estudando”. Essas práticas educativas fazem parte do seu cotidiano escolar durante o período pesquisado, ou seja, até 1954. As vivências da formação inicial amalgam-se a sua extrema religiosidade, aos saberes adquiridos na formação continuada (no caso, autoformação) e aos apelos do seu tempo, influenciando e muitas vezes definindo o seu fazer pedagógico. Ser professora na primeira metade do século XX significava exercer uma pedagogia/prática pedagógica tradicional baseada na observação, repetição das atitudes do professor, memorização dos conteúdos e punições, predominando o desconhecimento ou impossibilidade de contato com a pedagogia escolanovista. Porém, mesmo inserida nesse contexto, a professora Marta desenvolveu uma prática diferente da ensinada pelo curso formador, considerando-se as relações sociais que mantinha e leituras que fazia. Retirava o aluno da carteira e o trazia para dentro do processo de ensino-aprendizagem, colocando-o perto do professor, realizando um estudo individualizado, aluno por aluno, em um momento em que as salas de aula se encontravam lotadas, os alunos mal distribuídos, as salas ocupadas por todas as séries ao mesmo tempo. Percebe-se no trabalho da Professora resquícios do escolanovismo, que não foi vivenciado por ela durante a formação inicial, mas que interiorizou a partir das leituras realizadas em processo de autoformação e recriação da profissão. Ao adotar uma postura docente não punitiva corporalmente e mais próxima do aluno, a imagem de “monstro sagrado” do “professor carrasco/severo” que todos deveriam temer era aos poucos desconstruída, surgindo uma identidade professoral em processo, em construção. Exigente no cumprimento das tarefas escolares, apesar de contrária aos castigos físicos, fazia uso dos castigos psicológicos, “O medo que ela colocava no menino era imaginário, porque ela dizia que a criança que não se comportasse bem vinha um gato elétrico e pegava o menino. Então todo mundo tinha medo do gato elétrico” (MEDEIROS, 2012b, p. 13). Inventou a figura do gato elétrico que puniria aquele aluno que desobedecesse a professora, que não terminasse as atividades de classe e as de casa. Esse gato na verdade nunca foi visto, mas era ouvido (a professora Marta possuía uma sineta elétrica que fazia um barulho estranho, o qual era conhecido como o grito do gato elétrico) e temido por seus alunos (sineta constante em seu arquivo professoral). Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 297 Possuía moral indubitável, mas já apresentava as características de uma mulher à frente do seu tempo. Observemos o que Carvalho (2009, p. 5) afirma sobre ela: Ao contrário das professoras da época, Marta não se escondia no exercício professoral. Usava roupas coloridas que deixavam transparecer sua beleza. Usava maquiagem, delineava o olhar e seus cabelos estavam sempre bem penteados, com fitas coloridas ou outros adereços. Sua postura, apesar de autoritária, não impunha pavor aos alunos. Era o velho modelo professoral sendo recriado/aprofundado pelo novo. Percebe-se essas marcas ao estudar seus documentos, a atenção que dedicava a cada aluno tratando todos com carinho e respeito, nunca usando a palmatória9 ou outro castigo físico para obter o respeito ou cumprimento das atividades por parte dos educandos. Vaidosa, sempre estava bem arrumada e com os cabelos penteados e ornamentados por laços ou fitas; sempre perfumada, com os lábios pintados, sorridente, se tivesse jóias as colocava. Suas fotografias revelam esses pormenores importantes para a leitura da identidade pessoal e professoral de Marta Bezerra de Medeiros. Em seu arquivo pessoal, foi encontrado o arranjo de flores que sempre ornamentava seus cabelos, presente em suas fotografias. Possuía uma parte do seu vestuário destinado à sala de aula, pois dizia que a professora não podia apresentar-se mal arrumada a seus alunos, ao contrário, deveria estar física e emocionalmente bem resolvida para que os alunos sentissem segurança nos conhecimentos ofertados por ela. Era alegre bem diferente da postura das professoras da época, que pregavam rigidez, severidade e total falta de envolvimento emocional com alunos. Constata-se isso através do testemunho de seu filho: [...] Teve casos que a mãe do aluno, o matriculava diretamente no Grupo Escolar, aí o menino chorava, ficava no grupo uma semana, duas e não dava certo. Aí a mãe vinha falar com Mamãe. – Marta, tu pegas esse menino só por uns dias, enquanto ele se acostuma? Aí mamãe dizia, tá certo! Aí quando o menino subia no palanquezinho da cadeira de rodas, que ela pegava na mão e dava um cheiro, que passava a mão na cabeça, aí pronto, ali o menino já estava conquistado. Quando a mãe vinha tirar o menino, o menino dizia. - Não vou! Aí pronto chorava e tudo de novo. Aí o menino ficava na Escola Isolada. (MEDEIROS, 2012b, p. 3). Na Cidade de Caiçara, Rio Grande do Norte, a Professora Marta começou a dar aulas para substituir sua irmã Ericina Bandeira Fernandes. Encontrou o prédio escolar deteriorado com infra-estrutura precária, as paredes caindo. Como a escola se encontrava situada em uma cidade do distrito de Lajes, a prefeitura alegava não possuir dinheiro para reforma. Preocupada com a situação, Marta resolveu fazer um baile para arrecadar fundos destinados à reforma da escola. Assim, conseguiu subir as paredes da escola, fazer o piso e construir umas bancadas. Nesta Escola Isolada Marta desenvolveu uma metodologia de ensino revolucionária para a época e a sociedade interiorana, começou a produzir peças teatrais, influenciando as moças da comunidade a participarem, fato que provocou questionamento na cidade sobre sua prática, [...] porque quando estas moças começaram a fazer parte dos dramas, começaram a sair de casa e ir para o drama, aí as famílias mais interioranas né [não é], diziam, um dia nasce uma criança naquele grupo. Porque uma professora dessa toda pintada, toda arrumada, ministrando aula, as Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 298 meninas agora é tudo pintada, é tudo de batom que é pra imitar a professora (MEDEIROS, 2012c, p. 6). Observa-se o impacto das posturas e prática da Professora no cenário conservador e tradicional das cidades da região central do Estado do Rio Grande do Norte. Marta era ousada, desafiava a sociedade de sua época, mas compreendia, também, que se não fosse pela sua família, relacionamentos políticos e trabalho que realizava na escola, as práticas desafiadoras teriam vida curta. Assim, ela reinventava o velho modelo professoral e expandia a profissão docente. Nos horários intermediários ensinava a bordar, pintar, costurar. Então as meninas que frequentavam a escola de manhã, à tarde também iam para os cursos. Pois “como ela dizia, o Estado não pagava bem, então ela tinha os cursos auxiliares pra ajudar a melhorar o salário e viver uma vida melhor” (MEDEIROS, 2012b, 12). Marta desenvolveu uma amizade forte com dois alunos da Escola Isolada de Caiçara, Valter e Geraldo que eram filhos de Márcio (que tinha propriedades na cidade). [...] quando a mulher de Márcio está morrendo manda chamar Marta, pedindo que tomasse conta da educação dos seus dois filhos que sonhavam estudar na cidade de Bananeiras, localizada no Estado da Paraíba, ficando Márcio responsável pela parte financeira. Isso deu um problema enorme porque ela não só tomou conta dos meninos como começou a namorar Márcio. Então a professora era uma professora que namorava que recebia o namorado em casa. E as pessoas olhavam assim, “como é que pode a professora está recebendo o namorado que é viúvo”. Mas ela achava aquilo tudo muito natural, porque ela o recebia porque gostava dele, era louca e alucinada por ele. E os meninos foram morar na casa dela em Lajes para passar três anos estudando para se prepararem para Bananeiras. Ela preparou os meninos para as provas de Bananeiras. E quando terminou esse percurso, terminou o namoro (MEDEIROS, 2012b, p. 15). Compreende-se nesse episódio o que representava para Marta ser professora. Ela acompanhava a criança em sua formação, além de suas possibilidades. É o que percebemos no depoimento de Medeiros (2012b, p. 15): Mamãe achava que ser professor era sacerdócio. Então ser professor para ela, era o aluno chegar cego e sair vendo tudo! Ver tudo para ela era ler, escrever corretamente, fazer uma interpretação razoável e ter as operações fundamentais todas na mente, isso era suficiente. Ela dizia “eu sou uma boa professora não tem um menino que não aprenda a ler comigo, ele pode ter batido todas as escolas do mundo, mas, comigo ele vai aprender a ler”. A visão de magistério da Professora Marta Bezerra de Medeiros ia além da aquisição da qualificação profissional e/ou a certificação para o exercício profissional. A formação/profissionalização percorre outros caminhos que não são garantidos somente pelo processo formativo. [...] achava que ser professor era uma profissão que não era para todo mundo. Só aquelas pessoas que tinham dentro de si a vocação, a dedicação e que realmente gostavam de ser professor. Então quem quisesse ser professor só pra ganhar aquele dinheiro, não vá, você só pode ser professor se você compreender que o aluno chega sem saber nada e você vai mudar esse aluno, que é trazer valor para a questão do entendimento da Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 299 vida e [também] para o aluno aprender a votar, cidadania, só que essa cidadania pra ela é muito ligada à obediência ao Estado. (MEDEIROS, 2012b, 16). Era extremamente respeitada e elogiada na cidade, chamada para todas as festas, possuía influência no Estado, na Universidade por seu jeito autêntico de ser, comprometida com as causas sociais, fato que fez com que ela começasse uma luta em prol das pessoas paraplégicas da cidade, escrevendo cartas ao Ministério da Saúde, reivindicando cadeiras de rodas. Fazia esse trabalho comunitário, mas também cobrava, sendo que o pagamento era feito com ovos, galinhas. Pintava sem nunca ter frequentado uma aula de pintura. Suas pinturas, autoretrato encontram-se em seus cadernos pessoais. Pelo visto, ser boa professora naquele momento histórico trazia prestígio e vantagens sociais, mas não dinheiro. O fazer professoral continuava mal remunerado e esquecido. Compunha poemas para externar suas emoções. Como exemplo, encontram-se os poemas escritos por ela que homenageavam sua mãe legítima, Ana Hermina de Paiva Cunha. O soneto intitulado "Órfão" fala sobre a dor de nunca a ter conhecido. "No sepulcro", escrito para seu pai adotivo, o senhor Manoel Lourenço, e o poema de amor escrito para seu marido, Luiz Medeiros Bezerra. Ela mostrou que professora também podia casar, rompendo com o paradigma que os (as) professores (as) eram seres assexuados. Essa compreensão muitas vezes condenava à solidão as mulheres professoras daquele período histórico. Casou no dia dezenove de setembro de mil novecentos e cinqüenta e dois (19/09/1952) aos trinta e sete (37) anos de idade com Luiz Medeiros Bezerra, seu ex-aluno, muito mais jovem que ela, com apenas 18 anos, dados observados em sua Certidão de Casamento, contrariando todos os paradigmas. Ser professor/a, nessa época, era sinônimo de boa conduta e de boas relações no contexto político-social. Significava ser condizente com as normas estabelecidas. A detenção do saber a ser transmitido e a docilidade da mulher que se assumia professora caracterizaram a profissão docente no período; o discurso maternal/sacerdotal permeou o magistério. O descaso político e a desvalorização docente se faziam presentes na ausência de políticas públicas que valorizassem a profissão, nos baixos salários pagos aos professores e na escassez de materiais. Por essas questões, o professor já buscava outras alternativas para complementar as despesas, fato que se reflete atualmente. O contexto histórico e a educação das primeiras décadas do século XX, que tanto foram pano de fundo como influenciaram a vida pessoal e profissional da professora Marta Bezerra de Medeiros, foram caracterizados/delineados pelas transformações sociais, políticas, econômicas e culturais ocorridas nesse período, dentre as quais destacam-se: o acelerado processo de industrialização e de urbanização; uma legislação educacional fragilizada, uma sociedade em desenvolvimento e uma educação que tentava preparar as pessoas para essa sociedade que emergia. Observando esse contexto e o atual, percebem-se as transformações que ocorreram em vários campos da sociedade, implicando em que a profissão docente abandonasse as características positivistas de mera transmissora de conhecimentos “centralista, selecionadora, individualista” (IMBERNÓN, 2002, p. 7). Analisando o processo de formação docente do período em que viveu e foi educada a professora Marta Bezerra de Medeiros, verifica-se os valores trabalhados pelos Grupos Escolares que: [...] reportava a uma clara concepção de ensino; educar pressupunha um compromisso com a formação integral da criança que ia muito além da simples transmissão de conhecimentos úteis dados pela instrução e implicava essencialmente a formação do caráter mediante a aprendizagem Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 300 da disciplina social – obediência, asseio, ordem, pontualidade, amor ao trabalho, honestidade, respeito às autoridades, virtudes morais e valores cívico-patrióticos necessários à formação do espírito de nacionalidade (SOUZA, 2004, p. 127). Percebe-se que o ensino não guarda as características do período em discussão. Hoje os professores “devem ensinar, por exemplo, a complexidade de ser cidadão e as diversas instâncias em que se materializa: democrática, social, solidária, igualitária, intelectual e ambiental” (IMBERNÓN. 2002. p. 8). Essa nova educação deve ser promovida em conjunto com outras instituições formadoras do caráter do ser humano (indivíduos / sujeitos), e tomando a família como exemplo, compreende-se que com a saída da mulher para o mercado de trabalho, a escola viu-se obrigada a assumir a atividade de educadora total. A evolução da sociedade e os vários modelos familiares existentes provocaram uma transformação na maneira de pensar, sentir e agir das novas gerações, fazendo com que o professor seja obrigado a dominar métodos diversificados para alunos heterogêneos, gerando carências na maneira de ensinar e agir do docente. Essa problemática ocasiona um ceticismo em relação à educação, pois a sociedade não acredita mais que esta pode ser melhorada ou pode melhorar o futuro. Os professores se sentem perdidos frente ao novo cenário da educação e as reações perante este desajuste configuram-se como o “mal-estar docente”, que vem sendo discutido por teóricos da atualidade como Nóvoa (1999), Veiga, Araújo, Kapuziniak (2005), Tardif, Lessard (2005), podendo ocasionar uma crise de identidade nos professores. Nesse sentido, resta reinventar a profissão docente, assim como a professora Marta “reinventou” sua atuação professoral a partir de suas condições físicas, dos princípios da “Escola Nova” e das condições históricas da época. Uma das formas de se fazer tal empreitada é começando por compreender como a formação docente foi se constituindo na vida do professor e em seu tempo histórico. Considerações Finais A perspectiva de compreensão da profissão docente na primeira metade do século XX, a partir da história de vida de uma professora, proporcionou outro olhar para a docência, tendo em vista o conhecimento de fatores relevantes sobre o desenvolvimento da profissão, o tornar-se professora, a prática professoral. Percebeu-se, a partir da história de vida professoral de Marta Bezerra de Medeiros, algumas características da profissão docente na primeira metade do século XX. A configuração do ser professora não ocorre de forma isolada do contexto ou de forma particular do indivíduo com ele mesmo; são as experiências vividas nesse contexto, as leituras de mundo e as interpretações feitas em face da realidade que constroem/formam professores. No caso da professora Marta, foram as dificuldades pessoais e profissionais, as demandas do seu tempo que contribuíram para que se constituísse professora, em um momento em que a mulher era estigmatizada como sexo frágil, as promoções, os cargos não eram adquiridos por mérito, mas por apadrinhamento. Sua história de vida sugere por um lado interpretações que a caracterizam como uma mulher a frente do seu tempo, mas por outro, apontam sua co-responsabilidade na crise da profissão professor atualmente. O contexto maior, na medida em que configurou a história de vida da professora Marta, delineou, também, a profissão docente de sua época, modelando o exercício professoral da professora, sua metodologia, ideias, mas também recebendo o impacto de uma prática que se ressignificava e influenciava a sociedade ainda patriarcal e conservadora Revista HISTEDBR On-line Artigo Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 53, p. 280-304, out2013 – ISSN: 1676-2584 301 dos primeiros tempos da República. Percebe-se pela vida profissional da Professora Marta alguns detalhes, vestígios que ainda se manifestam e influenciam a profissão professor atualmente e que provocam o estresse docente, o desinteresse pela profissão, o abandono, como o desinteresse político pelo profissional professor, o estresse do cargo, que exige que o docente ocupe outras funções além da professoral, a luta pela sobrevivência do professor, devido aos baixos salários. Esses fatores, já presentes na história professoral de Marta, explodem nos dias atuais, causando o mal-estar na profissão, contribuindo para a desvalorização da profissão professor. Nesse estudo, considerou-se o pressuposto de que uma realidade particular quando metodologicamente abordada contribui para a análise de realidades coletivas, ou seja, todo o estudo biográfico deve se constituir em uma contribuição para o conhecimento de uma época, ou de fases importantes da vida nacional e seus reflexos. Pesquisas que se utilizam da abordagem biográfica e envolvem o diálogo com fontes escritas, orais e iconográficas assemelham-se a territórios desconhecidos ou ainda não visitados, que a cada olhar permite novos/outros significados. Esta seria sua função primeira, evidenciar contextos macros partindo de conjecturas particulares representadas pela e na história de vida de um indivíduo. A história de vida professoral de Marta Bezerra de Medeiros revelou que na época estudada, as relações sociais eram motivadas por interesses políticos e os cargos públicos, como por exemplo, o de professor, eram conseguidos pela troca de favores, tipo de política desenvolvido principalmente na Primeira República e que se repercutiu nos períodos subsequentes. A formação docente para os professores das escolas isoladas e zona rural era a mínima possível, não tendo na verdade nenhum valor, pois quem decidia o ser professor não era o título, mas as relações sociais, políticas do candidato a docente. Essa “política educacional”, se assim pode ser chamada, determinada pelas relações de poder (seria professor quem pertencesse a uma elite política), desfavorece o trabalho docente e os saberes da profissão. Por fim, ressalta-se a contribuição da pesquisa biográfica para a compreensão de fatos educacionais e para a história da educação, na medida em que permitiu reflexões acerca do exercício e da imagem da docência. Referências AUGUSTA, Carolina. Carta de 1945. Lajes, 1945. (manuscrita). CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999. CARVALHO, Maria Elizete Guimarães. Professora Marta Bezerra de Medeiros: a profissão docente na primeira metade do século XX (1915-1954)/História de vida professoral. UFPB: João Pessoa, 2011. ____. Marta Bezerra de Medeiros: vivências e práticas educativas de uma professora na primeira metade do século XX (1915-1954). In: SEMINÁRIO NACIONAL DE GÊNEROS E PRÁTICAS CULTURAIS. 2009, João Pessoa. Anais ... 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